segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Alfabeto de uma estrangeira em Atenas III (Final)


Rho. Museus, museus e mais museus. Dezenas deles. Nunca vi tantos num só lugar em toda a minha existência. Mas aqui é a terra do passado, natural que a quantidade de museus por quilômetro quadrado seja uma coisa fora do comum. Com tão poucos turistas, também tinha pouca gente circulando por lá e os guardinhas puderam dedicar a mim atenção quase que exclusiva. Ficavam me seguindo por onde quer que eu fosse. Primeiro isso me deixou um pouco irritada (será que eles estavam mesmo achando que eu iria sair dali com uma estátua de mármore de meia tonelada debaixo do braço?). Depois relaxei e entendi que alguma hora os coitados tinham que mostrar serviço, não é mesmo? Foi comigo.

No museu arqueológico (que é o maior deles), na hora que fui tinha só um casal de japoneses junto comigo. Estavam um pouco na minha frente, mas de vez em quando a gente se encontrava na mesma sala. Eles estavam fotografando tudo, tanto, e tão furiosamente, que eu, que nem gosto de tirar foto em museu nem nada, comecei a me sentir constrangida. Foi quando saquei o meu celular do bolso e me vi na obrigação de tirar algumas também.  Essa aí de cima é uma. O sátiro está tentando seduzir Afrodite, que não está gostando nada nada e por isso o ameaça com uma chinela. Aí chega Eros para socorrê-la (tem coisa mais engraçadinha que essa cena?). Nesse dia descobri que chinelada de mulher é a coisa mais velha do mundo.

Sigma. Eros, o deus do amor, na verdade é um anjo barroco. Ou melhor, na verdade, na verdade mesmo, os anjos barrocos é que foram criados à imagem e semelhança de um deus pagão. Comprei três Eros na feirinha de antiguidades da Thissio para a minha coleção de anjos barrocos.

Tau. Parte do preciosíssimo azeite extravirgem da ilha de Creta vazou na minha mala. (#§/¢@$^&*\€:ª}:((O ₩¥£%¤€£!!!!!!!!). Esse troço é grosso feito petróleo. Vou levar uma vida para tirar o cheiro de azeitona das minhas roupas.

Ypsilon. Festival Bergman. Esse é o segundo dia que fico a tarde e a noite inteirinhas trancafiada no hotel assistindo filmes. Resolvi que Atenas seria um excelente lugar para ver filmes suecos, fossem os que eu já tinha visto fazia muito tempo e queria rever, ou então aqueles que não tinha conseguido assistir ainda. Tem gente que chama isso de desperdício, eu chamo de liberdade. Amei de paixão desperdiçar meu tempo na Europa. 

Os filmes, na ordem:
  • Fanny & Alexander
  • Cenas de um Casamento (5 horas no total! Very touching, especialmente para aqueles que já foram, são ou ainda pensam em ser casados algum dia. hehehehehe),
  • Sonata de Outono,
  • Gritos e Sussurros,
  • Morangos Silvestres e
  • O Sétimo Selo (a cena do cavaleiro jogando xadrez com a morte é mesmo um primor. Consegui vencer meu preconceito e assisti dois filmes preto e branco num único dia!).

Phi. Saudades de casa. Anotar isso para as próximas férias: uma semana viajando é pouquíssimo, duas semanas é bom, três semanas é ótimo, mas um mes é muito. 


Khi. Hoje devo ter andado uns 30 km, agora mal posso pisar no chão. Bem esperta, eu. Ainda há pouco, quando já não estava mais aguentando, para terminar o dia resolvi fazer pela enésima vez o meu passeio longo. Este consiste em: descer toda a Aeolou até chegar na casa de banho dos ventos ("Bath House of the Winds". Lindo, não?), dobrar à direita na Pelopida contornando as ruínas da parte baixa da cidade, passar pela Ágora Romana, sempre caminhando em direção à estação de metrô do Thissio. Depois, atravessar a feirinha de antiguidades e andar a Apostolou Pavlou inteirinha. Oliveiras, oliveiras, oliveiras all over. Sempre encontro o saxofonista mais ou menos na metade da subida, separado do acordeonista por uns míseros 50 passos. Tem vez, quando o vento está contra, que as melodias se misturam. Hoje um estava tocando bossa nova (Dindi. Pode? Achei até que fosse em minha homenagem) e o outro um tango que não reconheci. Bem ali, quando a Apostolou Pavlou desemboca na Dionisyou Areopagitou, a uns 30 metros a sudeste, ficava a prisão de Sócrates. Toda vez que passo por lá e lembro disso me corre um frio na espinha. Depois sempre entro na Dionisyou à esquerda e pego a Adrianou, para em seguida vir ziguezagueando pelas vielas da Plaka até chegar de volta na pracinha do Monasteraki. Esse percurso inteiro deve dar entre 8 e 9 km mais ou menos, calculo. Assim faço a volta completa na Acrópole, por baixo. 

Andar nesse lugar, pisar nesses mármores e nessas areias milenares é um negócio muito emocionante. Ando, ando, ando, os pés já não podem mais, mas não me farto!

Não carrego mais o mapa, já não me perco. Desenvolvi um super sistema de localização: fácil, fácil. Quando estou andando a esmo e penso estar perdida, é só olhar para cima e procurar a Acrópole. Dependendo da posição do Partenon, daquilo que consigo ou não ver dele, sei como voltar para o hotel ou ir para qualquer outra rua do centro histórico. #feelingveryveryproudofmyself

Psi. Amanhã à noite sai meu voo de volta. Cedo, quando estiver descendo pela Athinas, lembrar de parar no mercado municipal para comprar uma tonelada de azeitonas kalamata, que em casa serão devidamente acondicionadas no cofre. Isso não dou pra ninguém, vou comer tudo sozinha. 

Na bagagem: o que sobrou dos cinco litros de azeite extravirgem da ilha de Creta, as azeitonas, caixas e mais caixas de doces (encomenda da minha filha), minhas roupas e uma prece. "Que a polícia federal não resolva passar essa bagagem pelo raio X, se não dessa vez não escapo". Tão certo como dois e dois são quatro, muitos anos por tráfico internacional de gostosuras. 

Ômega. Ao fim e ao cabo, apenas uma coisa é muito certa nisso tudo: quando o sol apaga e a Acrópole acende, dá uma vontade louca de ficar mais um pouco. 


É por isso que eu vou, mas volto. Falou?

Fim

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Alfabeto de uma estrangeira em Atenas II


Templo de Apolo, Oráculo de Delfos

Mi. Ontem fui a Delfos. Não é à toa que os gregos antigos achavam que ali era o umbigo do mundo... Um temendo cliché isso que eu vou dizer, mas vou dizer do mesmo jeito, porque se trata da mais pura verdade: aquele lugar é mágico. Não me lembro de ter me sentido assim em nenhuma outra parte do mundo. Extasiada, maravilhada, impressionada, sim, mas encantada, nunca. Só lá. Talvez isso se deva a Édipo Rei , talvez àquela paisagem de tirar o fôlego, talvez ao cheiro de incenso de mirra, que vinha não sei de onde, talvez ao som do badalar dos sinos pendurados nos pescoços das cabras montanhesas, que iam e vinham a trotinhos, pastando nas encostas do Parnassos, talvez ao fato de eu praticamente não ter conseguido dormir na noite anterior, de tão excitada que estava por causa da viagem, ou ainda à soma de tudo isso. Não sei. Fato é que não andei em Delfos: fui às nuvens e voltei, planando e sorrindo. Encantamento.

Ni. Supermercado: suco de cereja - hmmmmmm, delicious! :) - pistaches, tâmaras, barrinhas de gergelim e vinho. Estou provando um diferente a cada três dias, mais ou menos, que é o tempo que eu levo para terminar uma garrafa. Tomara que não volte para Floripa alcoólatra. Hehehehehe. Ah, comprei também uma latona de cinco litros de azeite extravirgem da ilha de Creta, que me custou uma pequena fortuna, mas tudo bem. Esse azeite faz parte daquela meia dúzia de coisas no mundo que a gente deve comer de joelhos, rezando. Enrolei num saco plástico e guardei na mala. Mal pressentimento.

Ksi. Aprendi três novas palavras:
"Malakias": means "bull-shit". Aprender palavrão em grego is coooool!,
"Melancholia": means "melancolia",
"Paradero": means "paradeiro". Grego até que nem é tão difícil, né? Hehehehe. (Acordei de muito bom humor). Aliás,  e por falar em grego, está acontecendo um negócio bem interessante: comecei a entender quando eles falam comigo! Quer dizer,  eu não sei o significado das palavras,  mas de uns dias para cá, passei a conseguir entender o que eles querem dizer. Aí eu respondo em inglês, eles entendem, e todos ficamos felizes.

Omicron. Notícias de economia. É fato: o país está quebrado. Nem precisava saber disso dos jornais. Tem tanta loja fechada nos shoppings e no centro da cidade que não é difícil perceber que as coisas vão mal, bem mal. Ainda mais fora da temporada, como agora. As lojinhas da Plaka e de Monasteraki estão às moscas, literalmente. Só não entendi direito uma coisa: se não estão vendendo nada, como parece ser o caso, por que não fazem uma baita liquidação???  Mas os preços continuam os mesmos de quando estive aqui no verão. Muito estranho... Não ouviram falar da lei geral da demanda?

Pi. Hoje o dia amanheceu belíssimo. Vou sair para fotografar. Já! Pelas minhas contas, ainda faltam: Rho, Sigma, Tau, Ypsilon, Phi, Khi, Psi e Ômega, ok?

Bye,
Brena. 

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Alfabeto de uma estrangeira em Atenas


Caríssimos,

a imagem acima é da Acrópole, tirada em um esplendoroso dia de sol de inverno. Já as impressões que seguem são apenas isso: pensamentos pueris de uma estrangeira em Atenas, taquigraficamente anotados num bloquinho que carreguei no bolso do casaco. Excepcionalmente,  dessa vez não trouxe câmera fotográfica. Trouxe só o celular. Tá bom. Ando cada vez com menos vontade de carregar peso. Seguindo a linha daquele poema, supostamente atribuído a Jorge Luiz Borges,  "Se eu pudesse voltar a viver, viajaria mais leve. .." Pois é, mais ou menos isso. Só que não esperei a próxima vida, comecei a viajar leve nessa mesmo. O problema é que, sem um registro, fica parecendo que o fato não aconteceu para valer, de verdade. Essa é uma parte da explicação para a existência do bloquinho de notas. Obviamente, as situações mais absurdas, surreais e inenarráveis da viagem precisarão esperar a publicação de minha primeira obra de ficção, e terão acontecido com algum personagem, como é natural que seja. Hehehehehe. Mas vamos lá:

Alfa. Cheguei bem destruida. Voo longo e muitas horas esperando as conexões. Mas o que a gente não faz para chegar na cidade que um dia já foi o centro do mundo? Hein?

Beta. Aqui, desde a primeira vez que pisei nessas terras,  todo mundo fala comigo em grego. Xingam o governo, me convidam para responder pesquisas de opinião,  perguntam as horas, pedem informações,  sei lá. Só sei que muita cara de grega eu devo ter.

Gama. O que eu gosto nisso: no verão, o pessoal que fica atrás dos gringos enchendo o saco não me incomodou, porque eles pensavam que eu era local.

O que eu não gosto nisso: como agora é inverno e quase não tem turistas, aí parece que eles tiveram mesmo certeza que eu era uma local. Ficam então tentando me vender planos de celular pós-pago ou de internet nas ruas, essas coisas que tentam empurrar só para os atenienses da gema.

Delta. Frase mais dita até hoje aqui: "I'm sorry, but I don't speek greek." Aí tudo volta ao normal.  Mas por pouco tempo.

Epsilon. Coisas que eles fazem igual a nós:
1. Param em cima da faixa de pedestres quando fecha o sinal,
2. Estacionam nas esquinas (achei que nisso são até um pouco piores que nós: estacionam muito nas esquinas!),
3. Não morrem de amores pelos sinais vermelhos,
4. Não respeitam sinal verde para os pedestres.

Coisas que eles fazem diferente de nós:

1. Aqui a maioria das mulheres tinge o cabelo de ruivo e não de loiro, como estamos acostumados a ver. (Padrão de beleza da década de 1950?),
2. Fumam muitíssimo. E em quase toda parte: me lembrou de como era no Brasil há uns 20 anos,
3. Motoqueiros aqui também são kamikazes, só que eles não usam capacetes! (Logo, devem morrer mais aqui do que aí,  na terrinha, não é verdade? ).

Zeta. Uma das coisas a um tempo mais fofas, inusitadas e intrigantes que vi aqui: árvores frutíferas nas calçadas. Bairros inteiros, cheinhos delas. São tangerineiras. Até aqui, tudo muito normal. É fofo porque fica muito charmoso mesmo. Mas o que mais me chamou a atenção é que as árvores estão carregadas e ninguém come as tangerinas. "Super educados, esses gregos", pensei. Mas não é nada disso. A explicação que recebi foi a seguinte: "they (as tangerineiras) are there only for decoration". "Mas como assim???". "Try one". Eu provei. Era azedíssima, mais azeda que o mais azedo dos limões. Aí pensei: "cara esperto, esse prefeito". Um pouco sádico,  mas esperto. Se fossem doces, não tinha sobrado nenhuma árvore inteirinha e toda decorada de pé, para contar a história. E para provar que não é história de pescador,  essa eu fotografei:



"The tangerine trees are there only for decoration." Essa é boa!

Eta. Dez palavras (copiadas de uma camiseta para turistas, pendurada na vitrine de uma loja da área da Plaka) sem as quais não se consegue sobreviver um mes em Atenas:

Bom dia: kalimera
Boa tarde: kalispera
Por favor: parakalo
Obrigado: efcharisto
Sim: ne
Não: ochi
Pão: psomi
Água: nero
Eu te amo: sagapou
Meu amor: agapi mou

Theta. Os docinhos são angelicais, dos deuses, semideuses, heróis, ninfas, musas e afins. Pistaches, amêndoas, gergelim, canela, massa folhada e muito, muito mel. Lembrar de provar um diferente por dia. Os nomes são impronunciáveis, mas basta apontar que eles entendem.

Iota. Hoje me perdi. Nessas de ficar andando, andando e experimentando novos caminhos sem olhar o mapa, para ir conhecendo a cidade cada vez mais, acabei indo parar num lugar muito sinistro, cheio de chineses mal encarados,  hotéis suspeitíssimos, botecos pé sujo, e todo tipo de espeluncas, com as placas escritas em mandarim, ou o que seja. Dei meia volta e tentei sair de lá a jato, na direção que eu achava que iria me trazer de volta à normalidade,  mas quanto mais eu andava,  mais me embrenhava por lá. Só quando a coisa estava ficando realmente preta é que resolvi dar uma de turista perdida e abrir o mapa bem no meio do antro da máfia chinesa. Medo. Tenho que parar com isso, pode ser perigoso.

Kappa. Fome. Já é meio dia. Vou sair para comer naquele mesmo restaurante / lanchonete na esquina do meu hotel. O cara já me conhece de tanto que vou lá.  Sujeitinha mais previsível,  eu. Mas a comida é ótima e eu gosto da cara dele me reconhecendo. Ando com a sensação que, a qualquer momento, já nem vou mais precisar fazer o pedido. Ele vai começar a preparar meu pita gyros (pork, e não chicken e com bastante salzic) quando me vir descendo a rua. Prático, isso.

Lambda. Fui a Sounion, de onde Perseu partiu para matar o Minotauro.

Itinerário: Athens- klathmonos Sq. - Syntagma Sq. - Fillelimon Street - Syggrou Ave. - Syggrou Fix. - Glyfada - Voula - Vougliagmani - Varkiza (Oh, God! Que lugar é esse!!! *-*) - Agia Marina -  Agios Dimitrios - Galazia Atki (blue cost) - Lagorini - Saronida- Amavissos - Thymarina - Legrena - Sounion. Tempo de viagem: 120'. Distância de Atenas: + ou - 65 km.

Temple of Poseidon - Cape Sounion

Poseidon, mar, mar, mar, o Mediterrâneo, aquele verde impossível, um ventão doido, soprando de todas as direções, penteado de Medusa, o Minotauro e Perseu, Perseu e o Minotauro.   #breathless

Depois continuo. Escrever no teclado do iphone é dose pra elefante. Anotar isso para a próxima vez que eu for passar tanto tempo fora e tiver a brilhante ideia de não trazer o laptop para não carregar peso.

Antío,
Brena.