domingo, 25 de novembro de 2012

Johnny Depp e o Postulado da Racionalidade na Economia



Queridos Alunos,

os seres humanos (descontando os insanos) são racionais, certo? Mas o que significa dizer isso? O conceito de agente racional é a pedra-de-toque de toda a teoria clássica da decisão. Mas o que o senso comum entende por "racionalidade" não necessariamente possui o mesmo significado que os filósofos e os economistas atribuem ao termo.

Via de regra, diz-se que uma pessoa é racional quando o seu comportamento é calmo, ponderado, sensato, lógico, coerente. Um filósofo da teoria da decisão diria que a racionalidade vincula-se à noção de "adequação à situação-problema". Já para um economista os agentes racionais possuem um atributo a mais: são auto-interessados, no sentido de compararem escolhas e buscarem sempre aquelas capazes de maximizar seus benefícios próprios e minimizar seus custos.

Vamos tentar um exemplo bem simplesinho para que vocês entendam esse negócio direito. Suponhamos que uma das meninas pretendesse definir o que fazer na próxima sexta à noite. Ela gostaria muito de jantar com uma companhia masculina e tem três opções em mente:

1. Jantar com o Johnny Depp, que é um dos seus atores preferidos (além de ser o mais gato de todos os rapazes que ela já viu nesta vida),
2. jantar com um vizinho seu, também gatinho (e sempre tão gentil), e finalmente
3. jantar com um amigo da sua melhor amiga, meio mala, que vive pedindo a ela que apresente os dois.

Como vocês aprenderam nas aulinhas de Micro, esta lista de preferências da minha aluna imaginária obedece ao critério da completude, pois todas as possíveis ações estão hierarquizadas (sendo a indiferença entre duas ou mais ações também possível). E precisa atender também ao critério da transitividade: se jantar com o Johnny é preferível a jantar com o vizinho gatinho, e jantar com o vizinho é preferível a jantar com o mala, então obviamente jantar com o Johnny precisa ser preferível a jantar com o mala. Temos então: Johnny > Vizinho-gatinho > Mala-amigo-da-amiga. Estes critérios precisam ser obedecidos, caso contrário não haverá a menor chance de conseguirmos prever a ação escolhida.

Mas não é só isso. Precisamos também admitir que minha aluna hipotética consiga calcular as probabilidades de cada curso de ação que ela tenha em mente para que possa haver uma ação racional. Dizemos por isso que uma ação ótima será aquela com maior probabilidade de proporcionar aquilo que mais queremos. No nosso exemplo, atribuir probabilidades às ações é bem simples. Vejamos: conseguir um encontro com o Johnny não será nada fácil (praticamente impossível, se quisermos ser bem realistas), com o vizinho gentil, bem mais provável, e com o mala, cem por cento seguro. Sendo assim, ela terá maximizado sua utilidade e consequentemente agido racionalmente se resolveu jantar com o vizinho.

Aqui foi fácil, mas nem sempre é assim. Dará certo sempre? É verdade que as pessoas agirão dessa maneira em todas as decisões que tomarem e ações que empreenderem? Não. Há mi-lha-res de problemas envolvidos nisso. Mas, como eu também não canso de dizer, onde está o mandamento dizendo que alguma coisa nessa nossa vidinha seria fácil, hein? hein? hein?

A música tema de hoje, inegavelmente, é este pout pourri aqui. Primeiro, porque eu adoro o Lenine. Depois, porque será mesmo de Pernambuco que o mundo inteirinho saberá um pouco mais sobre o postulado da racionalidade, depois dos 20 minutos a que terei direito no dia 12/12/12. Profético isso, não? Hehehehehe.



Quem viver, verá.

Brena.

domingo, 2 de setembro de 2012

Simão Bacamarte em Moscow: a parte não contada da história


"Quando um louco parece completamente lúcido é o momento de colocar-lhe a camisa de força."
Edgar Allan Poe


Queridos Alunos,

hoje, domingo, é oficialmente o último dia da greve. Amanhã precisaremos voltar a ser sérios. Nesse caso, como o amanhã não chegou, podemos ainda nos esbaldar, deitar e rolar. É este o preciso motivo de termos hoje aqui Edgar Allan Poe (1809-1849), Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908) e Anton Tchekov (1860-1904).

O que os três tinham de diferente? Um era norte-americano, outro brasileiro e o último russo. E o que eles tinham em comum? Todos três viveram no século XIX, todos eram escritores, todos foram geniais. E todos escreveram contos ou novelas sobre a loucura. Do Tchekov temos a Enfermaria nº 6, do queridíssimo temos O Alienista e por fim, porém não menos brilhante, da safra do Mr. Poe temos O Sistema do Dr. Tarr e do Professor Fether.

A recorrência do tema entre os gênios é fácil de entender. Eu sempre achei que, sendo gênio, não dava para o camarada simultaneamente ser muito certinho da cabeça. São coisas incompatíveis, mutuamente excludentes. Se é gênio,  segue-se necessariamente que não é normal, né não? Caso eles tivessem consciência da própria genialidade -- o que penso que deva ocorrer com alguma regularidade --, é de se esperar que se preocupassem com a possibilidade da loucura completa. E isso em dois sentidos:

i) o perigo de enlouquecer de fato e
ii) o perigo de, em decorrência de alguma excentricidade, serem tomados por loucos e acabarem dando com os costados em algum hospício.

A última é para mim a alternativa mais apavorante. Vejam bem:  quando já se saiu da casinha, nada mais deve importar muito. Isso torna a alternativa i) um pouco mais suportável quando se está do lado de fora (na sanidade) olhando para o lado de dentro (a loucura). Já quando se é mentalmente são (pelo menos mais ou menos, né?) e, por algum descuido, mal entendido ou azar, se é tido como louco e se é mantido recluso num manicômio, não importa muito se o comportamento é de doido ou não. Tudo aquilo que o cidadão faça ou deixe de fazer, afirme ou desminta, por mais razoável que possa parecer, será interpretado como doidice e ponto. Por isso é tão assustador. Simão Bacamarte que o diga.

Pois muito bem. Até aqui já sabemos que todos eles eram gênios da literatura, logo candidatos à loucura, logo apavorados ante a perspectiva de enlouquecer, logo precisaram escrever sobre ela para extravasar - hehehe. (Para dar este último passo lógico precisei usar meus melhores conhecimentos psicanalíticos: uma misturinha daquilo que consegui ler e entender de Freud e Jung). Na próxima frase vou usar Lacan e aquela história de vermos o mundo como um espelho de nosotros próprios. Toda a literatura é autobiográfica. Pode soar um tanto peremptório e dogmático, mas é a mais pura verdade. Simão Bacamarte era um pouco do Machado de Assis, Ivan Dmitri Gromov era Tchekov e Doctor Tarr e Professor Fether eram o Poe. Todos médicos, ou loucos, ou  médicos e loucos, nessa ordem.

Sendo geniais, eles obviamente sabiam que nós sabíamos que eles eram os seus personagens na ficção. E isso devia causar algum desconforto. Deve ser mesmo difícil para um escritor imaginar-se nu defronte de seus leitores, ano após ano, década após década, por todos os séculos dos séculos. Penso então que, para contornar esta incômoda situação, eles usassem (e usem ainda hoje, claro) de estratagemas com o intuito de não dar tanta bandeira assim. Um destes artifícios podia ser, por exemplo, omitir parte das histórias.

É justamente agora, neste momento, que chegamos finalmente ao começo de tudo: ao título da postagem. O objetivo, no final das contas, era contar uma dessas partes não contadas, mas esse preâmbulo todo aqui acabou tomando muito espaço. Então isso fica pra depois, tá? Nesse meio tempo, vocês podem ir lendo os contos, o que me facilitará muito toda a explicação subsequente.

Beijos de domingo e até amanhã,
Brena.

domingo, 29 de julho de 2012

O Bruxo e a Cartomante


Queridos Alunos,

aproveitando que até segunda ordem estamos de férias e ainda não precisamos ser originais, sérios e compenetrados, é hoje que eu me jogo com roupa e tudo no poço dos lugares-comuns. Fazendo par com a postagem anterior, nesta confessarei que o autor que está empatado com Gabriel Garcia Márquez no primeiríssimo lugar do pódio do meu coração é o Machado de Assis. Não disse? Cliché, cliché, cliché. Mas o que fazer? Às vezes eles são inevitáveis...

Hoje falaremos sobre A Cartomante, originalmente publicada em 1884, e um verdadeiro primor do gênero Brazilian short stories.

O resumo da ópera é o seguinte (por favor, antes leiam o conto inteiro no link acima): Vilela e Camilo são amigos de infância e não se veem há muitos anos. Reencontram-se. Vilela apresenta a Camilo sua esposa, Rita. Camilo e Rita tornam-se amantes. Camilo recebe uma carta anônima ameaçadora. Com um misto de medo e remorso, Camilo passa a rarear as visitas à casa do casal, até que estas cessam por completo. O romance continua. Não obstante Rita sente-se insegura com o acontecido e consulta uma cartomante para saber se Camilo ainda a ama. A cartomante diz que sim. Cético, Camilo a reprova por isso. Novas cartas anônimas aparecem e coincidentemente Vilela torna-se taciturno. Temendo que ele estivesse desconfiando de algo, Camilo e Rita deliberam e decidem suspender os encontros por um tempo. No dia seguinte, Camilo recebe um bilhete de Vilela, muito seco, pedindo que ele fosse imediatamente à sua casa. Camilo estranha e desconfia do pior. Angustiado, decide ir ao encontro. No caminho, uma circustância fortuita (será?) faz com que ele consulte a mesma cartomante para saber o desfecho do encontro. Ela o tranquiliza completamente e, otimista, ele chega à residência do casal. Lá encontra Rita morta, estendida no canapé da sala. Foi sua última visão antes de ser ele próprio morto, alvejado por dois tiros de Vilela.

O que quererá isso tudo dizer? Será possível conhecer o futuro? E uma vez conhecido, será possível mudá-lo? Existe livre arbítrio ou tudo é destino, pré-determinado? Em última instância, existem possibilidades em aberto, ou só há o necessário e inexorável? É por essas e outras que eu digo que o Machado de Assis era um craque em lógica clássica, modal, paraconsistente, e por aí vai...

Examinaremos três possibilidades:

(i) Não é possível conhecer o futuro, logo não é possível mudá-lo,
(ii) É possível conhecer o futuro e mudá-lo e
(iii) É possível conhecer o futuro, mas não é possível mudá-lo.

(i) À primeira vista, o conto é uma grandessíssima gozação (ok, ok, é uma tragicomédia) do autor com os supostos poderes adivinhatórios da cartomante. Afinal de contas, ela, que é a figura em torno da qual os acontecimentos mais importantes se desenrolam, errara a previsão. Mas o Bruxo do Cosme Velho não era óbvio assim... Notem que o conto começa com uma alusão a Hamlet e à sua célebre frase acerca dos mistérios insondáveis do universo. Esta e várias outras pistas aparecem no conto sinalizando a verdadeira tese que ele pretendia defender: "há mais cousas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia", ou algo assim. Então deixemos de lado esta alternativa comezinha e partamos logo para as outras, mais interessantes...

(ii) A fim de responder se a cartomante podia ou não ler o futuro, será preciso conhecer um pouco mais desse personagem, que tinha "dedos finos, de unhas descuradas". Mas que em seguida é descrita como possuindo "duas fileiras de dentes que desmentiam as unhas". O que deve essa caracterização, aparentemente contraditória, significar? Que tudo não passa das "eternas contradições humanas"? Que a cartomante era uma pessoa humana e, enquanto tal, dona de vícios e virtudes, dramas e glórias? Era por isso que os dentes limpos desmentiam as unhas sujas? Se fosse assim, ela podia ou não saber o futuro? Em princípio sim, e já havia feito uma previsão acertada, quando da primeira visita de Rita. Naquela ocasião, a cartomante, quando perguntada se Camilo amava Rita deveras, dissera-lhe que sim. E com isso conseguira mudar o futuro, pois Rita saíra de lá aliviada.


(iii) Se é possível saber o futuro e mudá-lo, então por que a cartomante praticamente empurrou Camilo para a morte, dizendo (cinicamente?) "Vá, raggazzo innamorato..."? Algumas vezes seria possível apenas conhecê-lo, mas não mudá-lo? Minha hipótese é a de que, como a cartomante estava ali a serviço e não a passeio, percebeu rapidamente que, caso contasse a verdade, corria o sério risco de ficar sem o seu pagamento. Por isso resolveu calar.

Com isso chegamos finalmente à quarta, última e definitiva possiblidade, até agora ainda não aventada:

(iv) É possível conhecer o futuro, porém só é possível mudá-lo se a cartomante resolver falar a verdade - hehehe.

A imagem veio daqui. Tudo indica que são eles: Vilela, Camilo e Rita, à mesa. Momento tenso...

Até mais,
Brena.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Conversa com Dom Gabito


Queridos Alunos,

outro dia li uma notícia tristíssima (aqui). Ela dá conta que meu adorado escritor Gabriel García Márquez teria perdido a memória de uma vez por todas. E esta seria a razão pela qual ele não publica nada há tanto tempo. Mais ou menos uns três anos depois da publicação de seu último romance, Memória de minhas putas tristes (2004), como explicação para a ausência de novos livros, li uma versão diferente: que ele teria sonhado que morreria depois de finalizado o romance seguinte. Como era uma pessoa supersticiosa, estaria procrastinando como uma estratégia para ludibriar a morte...

De todo modo, saber que nunca mais lerei nada de novo escrito pelo Dom me deixou com um aperto enorme no peito. Isto porque neste mes de julho completam exatas três décadas que ele começou a falar comigo. Como tenho milhares de notas mentais das coisas que ele me contou ao longo de todo esse tempo, resolvi brincar que falei com ele também. Mais ou menos como uma estratégia para driblar não a morte, mas o seu esquecimento, esse diálogo imaginário seria assim:

B.P.: Meu querido Dom Gabito, antes de começar, e correndo todos os riscos de cair na vala comum da tietagem explícita, vou fazer aquilo que meu coração mandou: dizer o que sinto por você. Te amo, te adoro, te venero, te idolatro. Você marcou minha existência para todo o sempre. Livros, livros e mais livros, lidos, relidos, trilidos, tetra, penta, hexa, e por aí vai... pela vida afora. Tá bom assim ou quer mais?  Então agora vamos ao que mais interessa. Você, que é tão bom com as palavras, se tivesse apenas uma frase para usar, como se definiria?

G.G.M.: Sou um homem simples. (Doze contos peregrinos).


B.P.: Hehehe. E se tivesse duas, três, quatro?

G.G.M.: Descobri que não sou disciplinado por virtude, e sim como reação contra a minha negligência; que pareço generoso para encobrir minha mesquinhez, que me faço passar por prudente quando na verdade sou desconfiado e sempre penso o pior. Que sou conciliador para não sucumbir às minhas cóleras reprimidas, que só sou pontual para que ninguém saiba como pouco me impora o tempo alheio. Descobri, enfim, que o amor não é um estado da alma, e, sim, um signo do zodíaco. (Memória de minhas putas tristes).

B.P.: Quando li O Amor nos Tempos do Cólera pela primeira vez, recém saída dos cueiros (ou quase isso, vai...), achei que Florentino Ariza fosse você. Muitos anos mais tarde, em Viver para Contar, você me revelou que ele na verdade era o teu pai. Então os romances são mesmo sempre autobiográficos?

G.G.M.: Sim. (vários romances e contos).


B.P.: Huuuummmm. Bem que eu desconfiava. Ainda seguindo essa linha das vidas reais que se misturam e se confundem com as vidas dos personagens dos romances, dizem as más línguas que Macondo, a cidade fantástica dos Buendía, é Aracataca, tua cidade natal. Como era a Aracataca da tua infância?

G.G.M.: Macondo era então uma aldeia de vinte casas de barro e taquara, construídas à margem de um rio de águas diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos pré-históricos. O mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e para mencioná-las se precisava apontar com o dedo. (Cem anos de solidão).

B.P.: Quando você começou a perceber que envelhecia?

G.G.M.: Aos quarenta e dois anos havia acudido ao médico por causa de uma dor nas costas que me estorvava para respirar. Ele não deu importância: É uma dor natural na sua idade, falou.
-- Então -- disse eu --,  o que não é natural é a minha idade.
O médico me deu um sorriso de lástima. Vejo que o senhor é um filósofo, disse ele. Foi a primeira vez que pensei na minha idade em termos de velhice, mas não tardei a esquecer o assunto. E me acostumei a despertar cada dia com uma dor diferente que ia mudando de lugar e de forma, à medida que passavam os anos. Às vezes parecia ser uma garrotada da morte e no dia seguinte se esfumava. Nessa época ouvi dizer que o primeiro sintoma da velhice é quando a gente começa a se parecer com o próprio pai. Devo estar condenado à juventude eterna, pensei então, porque meu perfil equino não se parecerá jamais ao caribenho cru que era meu pai, nem ao romano imperial de minha mãe. A verdade é que as primeiras mudanças são tão lentas que mal se notam, e a gente continua se vendo por dentro como sempre foi, mas de fora os outros reparam. (Memória de minhas putas tristes).

B.P.: É mesmo. Engraçado o que você diz, sobre ficarmos parecidos com os nossos pais. Eu acho que isso vai além da aparência física. Por exemplo: ano passado comprei minha primeira blusa com estampa de oncinha. Aí me lembrei de quando era criança e achava cafonérrimo minha mãe usando roupas de onça. Foi exatamente ali, saindo da loja, com a sacolinha da blusa na mão, que percebi que envelhecera. E isso porque naquele instante me veio a lembrança dessa tua comparação do envelhecimento com a semelhança com os nossos pais. Falando de lembranças, o que é mais importante para você: viver ou lembrar?

G.G.M.: A vida não é a que a gente viveu, e sim a que a gente recorda, e como recorda, para contá-la. (Viver para contar).

B.P.: E o que você descobriu sobre o amor, depois desses anos todos de vida?

G.G.M.: Tomei consciência de que a força invencível que impulsionou o mundo não são os amores felizes mas os contrariados. (Memória de minhas putas tristes).

B.P.: É, eu lembro: foi bem assim, com amores contrariados, que você começou O Amor nos Tempos do Cólera: "Era inevitável: o cheiro de amêndoas amargas sempre lhe lembrava o destino dos amores contrariados...." Mas como conseguir sobreviver a eles?

G.G.M.: Os seres humanos não nascem para sempre no dia em as mães os dão a luz, e sim que a vida os obriga outra vez e muitas vezes a parirem a si mesmos. (O Amor nos tempos do cólera).

B.P.: Profético isso... E agora, para encerrar, você pode matar uma curiosidade minha?  Por que você escreve?

G.G.M.: Escrevo para que meus amigos gostem mais de mim... (Isso está na malfadada reportagem publicada na Carta Maior). [Ele é ou não é uma criatura doce e encantadora?]

B.P.: Então tá, Dom Gabito. Pode ter certeza que deu muito certo...
E já que você é um homem simples, una Canción de las simples cosas para ti.

Uno se despide insensiblemente de pequeñas cosas, lo mismo que un árbol que en tiempo de otoño se queda sin hojas. Al fin la tristeza es la muerte lenta de las simples cosas, esas cosas simples que quedan doliendo en el corazón.

Uno vuelve siempre a los viejos sitios donde amó la vida, y entonces comprende como están de ausentes las cosas queridas. Por eso muchacho no partas ahora soñando el regreso, que el amor es simple, y a las cosas simples las devora el tiempo.

Demórate aquí, en la luz mayor de este mediodía, donde encontrarás con el pan al sol la mesa tendida. Por eso muchacho no partas ahora soñando el regreso, que el amor es simple, y a las cosas simples las devora el tiempo.

FIM

quarta-feira, 28 de março de 2012

Lógica: formas de inferências inválidas


Caros Alunos,

aqui veremos algumas formas de inferência logicamente inválidas
, que são argumentos construídos de tal modo que suas estruturas internas não garantem que as verdades das premissas cheguem intactas à conclusão.  Nesse grupo encontram-se as chamadas "falácias". Estas, apesar de serem argumentos inválidos do ponto de vista lógico, podem ser muito sedutoras à primeira vista.  O que ficou faltando, de mais importante, e seguindo a numeração da postagem anterior, são duas estruturas:

7. Falácia da Afirmação do Consequente e
8. Falácia da Negação do Antecedente.


Vamos a elas:


7. Falácia da Afirmação do Consequente (FAC)

        Se A, então B
        B
        A

Em notação lógica:

       A → B
        B
      _________
        A

Exemplo:

       Se eu tiver aumento de salário, compro um carro novo
       Compro um carro novo
       Então tive aumento de salário.


8. Falácia da Negação do Antecedente (FNA)

       Se A, então B
       Não A
       Não B

Em notação lógica:

      A → B
      ¬A
    _________
      ¬B
    
Exemplo:

Se tiver aumento de salário, compro um carro novo
Não tive aumento de salário

Não compro um carro novo.

Agora vamos comparar, de par em par, dois pares de modos: o 1. modus ponens com a 7. falácia da afirmação do consequente e o 2. modus tollens com a 8. falácia da negação do antecedente.

Repararam que no primeiro par ambos os modos afirmam pela afirmação? Significa dizer que eles são parecidos, certo? Errado. Eles são diferentíssimos. Tanto é que o primeiro é uma estrutura de raciocínio logicamente válida e o segundo é uma falácia.

Primeiro vamos prestar atenção para o exemplo do modus ponens:

     P1         Se tiver aumento de salário, compro um carro novo
     P2         Tenho aumento de salário
     C           Então compro um carro novo

Agora vamos supor que ambas as premissas sejam verdadeiras (i.e. estamos admitindo que o condicional A → B expressa uma verdade sobre o mundo e que eu de fato tive um aumento de salário). Se isso ocorre, então a conclusão é inevitável e necessária. Já sabíamos disso, porque nos modos logicamente válidos as conclusões seguem necessariamente das premissas (já até montamos as tabelinhas de verdade para provar por a + b que era isso mesmo que acontecia, lembram?).

O próximo passo é comparar esse resultado com o exemplo da FAC:

     P1  Se eu tiver aumento de salário, compro um carro novo
     P2  Compro um carro novo
        Então tive aumento de salário.

Novamente supomos que ambas as premissas sejam verdadeiras (i.e. admitimos que o condicional A → B expressa uma verdade sobre o mundo e que eu de fato comprei um carro novo). Observem que, nesse caso, mesmo que as duas premissas sejam verdadeiras, nada garante que a minha conclusão também o seja. Repetindo: a conclusão pode ser falsa mesmo que as premissas sejam todas verdadeiras! Por exemplo: pode ter sido simplesmente o caso que eu seja um político corrupto que, a despeito de não ter tido aumento de salário, tenha comprado um carro novo (com o dinheiro do desvio das verbas da merenda das criancinhas das escolas públicas, ou qualquer outra baixaria do gênero).

Vamos à segunda dupla: modus tollens e a falácia da negação do antecedente. Agora as duas negam pela negação. Não obstante, ambas, como no caso anterior, são formas muito distintas de raciocinar.

Começando pelo exemplo do modus tollens:

     P1  Se eu tiver aumento de salário, compro um carro novo
     P2  Não compro um carro novo
        Então não tive aumento de salário.

Observem novamente que, se supusermos P1 e P2 verdadeiras, a conclusão segue necessariamente. Aqui não há alternativas: preciso concluir que o meu salário não aumentou. A estrutura do argumento me garante isso. Se estiverem na dúvida, nada impede que vocês façam o teste, ok? Podem brincar de fazer tabelas de verdade o quanto quiserem.

Comparando agora com o exemplo da FNA:

P1    Se tiver aumento de salário, compro um carro novo
P2    Não tive aumento de salário
     Não compro um carro novo.

Novamente: como se trata de uma falácia lógica, a verdade das premissas não garante a verdade da conclusão. Supomos P1 e P2 verdadeiras - i.e. proposições que exprimem correspondência com circunstâncias do mundo real - e, a despeito disso, a conclusão pode ser falsa! Isto é, eu posso perfeitamente comprar um carro novo mesmo que não tenha tido aumento de salário, e nada do que está dito em P1 contradiz essa possibilidade. Eu poderia, por exemplo, ter arranjado um segundo emprego, ou ganhado na loteria, ou recebido uma herança, ou qualquer outra coisa...

Até a próxima,
Brena.

terça-feira, 27 de março de 2012

Lógica: formas de inferências válidas



Pessoal,

algumas formas de inferências válidas:aqui estão as principais, com exemplos:

1. Modus Ponens,
2. Modus Tollens,
3. Silogismo Disjuntivo,
4. Silogismo Hipotético,
5. Contraposição,
6. Leis de Morgan, que são:
6.1 Negação da conjunção,
6.2 Negação da disjunção.

1. Modus Ponens (ou modus ponendo ponens): aquele que afirma (a conclusão) pela afirmação (do antecedente):

         Se A, então B
         A
         Então B

Em notação lógica:

         A → B
         A
        _______
         B

Exemplo:

         Se tiver aumento de salário, compro um carro novo
         Tenho aumento de salário
         Então compro um carro novo

2. Modus Tollens (ou modus tollendo tollens): aquele que nega (a conclusão) pela negação (do consequente)

        Se A, então B
        Não B
        Não A


Em notação lógica:

        A → B
        ¬B
       _________
        ¬A

Exemplo:

         Se tiver aumento de salário, compro um carro novo
         Não compro um carro novo
         Então não tive aumento de salário.

3. Silogismo Disjuntivo (também conhecido como modus tollendo ponens): aquele que afirma (a conclusão) pela negação (do antecedente)

        A ou B
        Não A
        B

Em notação lógica:

        AB
        ¬A
       _________
         B

Exemplo:

       [Não sei se] caso ou compro uma bicicleta
       Não caso
       Logo compro uma bicicleta.

4. Silogismo Hipotético,

       Se A então B
       Se B então C
       Se A então C

Em notação lógica:

         A →B
         B → C 
        ______
         A → C


Exemplo:

       Se trabalho, recebo salário
       Se recebo salário, compro coisas
       Então se trabalho, compro coisas.


5. Contraposição

        A implica B se e somente se não A implica não B.

Em notação lógica:

       (A →B) (¬→ ¬ B)

Exemplo:

      Se trabalho, então recebo salário
      Logo se não trabalho, então não recebo salário.

6. Leis de Morgan:
6.1 Negação da conjunção

       Não A e B se e somente se não A ou não B.

Em notação lógica:

       ¬ (A∧B) (¬ ¬ B)

Exemplo:

       Não é verdade que assovio e chupo cana
       Logo não assovio ou não chupo cana.

6.2 Negação da disjunção

       Não A ou B se e somente se não A e não B.

Em notação Lógica:

       ¬ (AB) (¬A¬ B)

Exemplo:

       Não é verdade que assovio ou chupo cana se e somente se não assovio e não chupo cana (simultaneamente).


Bom estudo,
Brena.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Acerca de Nós, Mulheres



"ninguém nasce mulher: torna-se mulher." Com essa frase bombástica (que vocês com certeza já escutaram ou leram em algum lugar) tem início o segundo tomo - A Experiência Vivida - de um dos livros mais fantásticos, escrito por uma das mulheres mais incríveis que já existiram no terceiro planetinha que orbita o sol. Trata-se de O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir. Ele foi publicado pela primeira vez em 1949, e é tido como um dos marcos do nascimento do movimento feminista, muito embora ela própria não gostasse que a vinculassem a esse rótulo.

Estou entendendo que esse é um livro sobre as mulheres, mas não exclusivamente para as mulheres. E me pareceu que isso fazia sentido. Vejam bem: no mundo, a divisão entre os gêneros gira em torno dos 50/50. Então, se alguma coisa vai mal com um dos 50%, como é que os outros 50 poderiam continuar a viver bem, como se nada estivesse acontecendo??? Pois é: também achei que nada funcionaria direito se fosse dessa maneira... Estou com isso querendo dizer que esse é um livro que deveria interessar a todos nós, humanos, independente do gênero, mas que deve interessar particularmente a nós, mulheres, porque é sobre nós. Entenderam?

Vamos tentar de outro jeito: já havia lido vários trechos desse livro há muitos anos, mas nunca o li de forma sistemática, como resolvi fazer agora. E vou ser bem sincera com vocês: o resultado está sendo assustador. Estou passada, pasma, estática, absolutamente chocada! E isso porque, em diversos momentos, fiquei com a impressão de estar lendo a minha autobiografia. E quando não, a de que estava lendo a biografia da minha mãe, ou a das minhas amigas, ou a das amigas da minha mãe, e por aí vai... Isso é assustador porque, como eu disse, o livro foi publicado em meados do século passado! Em 1949 meus pais eram criancinhas que nem bem sabiam que existiam. Estou tentando dizer que a reflexão filosófica que o livro suscita, em que pesem as origens históricas, mitológicas, religiosas, etc. da questão da opressão feminina, está focada nos padrões de comportamento da geração que já era adulta naquela altura. Ou seja, na geração da própria Simone, que foi a geração dos meus avós! Apesar das mudanças profundas que a situação das mulheres experimentou de lá para cá (por conta da conquista do direito ao voto, da entrada massiva no mercado de trabalho, do advento da pírula anticoncepcional, do divórcio, etc.), se algumas coisas ainda permanecem exatamente iguais ao que eram outrora, significa que esse negócio de aprender a ser o segundo sexo é casca grossíssima. E que continua a atravessar gerações e gerações!!!

Um dos temas recorrentes, que perpassa várias discussões do livro, é a interpretação do modo como dois conceitos metafísicos, contrários e complementares, - a imanência e a transcendência - impactam diferentemente na vida de homens e mulheres.

Imanência (o que existe no interior): o que permanece, que fica, que mantém, que estabiliza, que se repete, indefinidamente, "Todo dia ela faz tudo sempre igual, me sacode às seis horas da manhã, me sorri um sorriso pontual e me beija com a boca de hortelã..." , essas coisas...

Transcendência (o que está para além dos limites): o que muda, que vai, que avança, que conquista, que se aventura, sempre "Era um menino com o destino do mundo nas mãos. Olhos no dilúvio e os dedos no violão... E eu irei em qualquer direção. Eu sou meu guia, eu sou meu guia...", essas outras coisas...

Todos os seres humanos traríamos em nós desejos de imanência e transcendência. Não obstante, apenas à metade da humanidade teria sido dada a possibilidade de exercer livremente esses dois impulsos, e essa foi a metade masculina. Aos 50% restantes, o segundo sexo, feminino, teria sido ensinado que sua verdadeira vocação, ou sua "verdadeira natureza" seria a imanência. E assim foi feito.

Isso explica, por exemplo, as diferentes expectativas que homens e mulheres nutrimos com relação aos relacionamentos amorosos, mais especificamente com relação ao casamento. Um trechinho para vocês entenderem melhor esse papo todo:

p. 209, Tomo II:

O homem, hoje, casa para ancorar na imanência, mas não para nela se encerrar; quer um lar, mas conservando a liberdade de se evadir dele; fixa-se, mas o mais das vezes continua vagabundo no fundo do coração; não despreza a felicidade, mas não faz dela um fim em si; a repetição aborrece-o; procura a novidade, o risco, resistências que lhe caiba vencer, camaradagens, amizades que o arranquem da solidão a dois. Os filhos, mais ainda que o marido, almejam ultrapassar os limites do lar: a sua vida situa-se alhures, à sua frente; a criança deseja sempre o que é outro. A mulher tenta construir um universo de permanência e continuidade: marido e filhos querem ultrapassar a situação que ela cria e que não passa para eles de um dado. Eis por que lhe repugna admitir a precariedade das atividades a que toda a vida obriga, é ela levada a impor seus serviços pela força: de mãe e dona de casa ela faz-se madrasta e megera.

O livro inteirinho encontra-se bem aqui. Sugiro que leiam. E se apenas com a leitura não der para mudar radicalmente - i.e. da água para o vinho, da noite para o dia - o comportamento ensinado e tornado padrão pela força da repetição, década após década, geração após geração, então, na pior das hipóteses, pelo menos a gente fica sabendo o que está acontecendo. No caso das mulheres da minha geração, estamos repetindo as expectativas e os comportamentos das nossas avós. No caso das mulheres da geração de vocês, estão repetindo aqueles das bisavós...

Coisa de louco, hein?

Até mais,
Brena.

P. S. E foi inspirada na linda imagem das 4Simones, e em sua homenagem, que eu fiz a das 4Brenas, que será a minha cara doravante.