"Quando um louco parece completamente lúcido é o momento de colocar-lhe a camisa de força."
Edgar Allan PoeQueridos Alunos,
hoje, domingo, é oficialmente o último dia da greve. Amanhã precisaremos voltar a ser sérios. Nesse caso, como o amanhã não chegou, podemos ainda nos esbaldar, deitar e rolar. É este o preciso motivo de termos hoje aqui Edgar Allan Poe (1809-1849), Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908) e Anton Tchekov (1860-1904).
O que os três tinham de diferente? Um era norte-americano, outro brasileiro e o último russo. E o que eles tinham em comum? Todos três viveram no século XIX, todos eram escritores, todos foram geniais. E todos escreveram contos ou novelas sobre a loucura. Do Tchekov temos a Enfermaria nº 6, do queridíssimo temos O Alienista e por fim, porém não menos brilhante, da safra do Mr. Poe temos O Sistema do Dr. Tarr e do Professor Fether.
A recorrência do tema entre os gênios é fácil de entender. Eu sempre achei que, sendo gênio, não dava para o camarada simultaneamente ser muito certinho da cabeça. São coisas incompatíveis, mutuamente excludentes. Se é gênio, segue-se necessariamente que não é normal, né não? Caso eles tivessem consciência da própria genialidade -- o que penso que deva ocorrer com alguma regularidade --, é de se esperar que se preocupassem com a possibilidade da loucura completa. E isso em dois sentidos:
i) o perigo de enlouquecer de fato e
ii) o perigo de, em decorrência de alguma excentricidade, serem tomados por loucos e acabarem dando com os costados em algum hospício.
A última é para mim a alternativa mais apavorante. Vejam bem: quando já se saiu da casinha, nada mais deve importar muito. Isso torna a alternativa i) um pouco mais suportável quando se está do lado de fora (na sanidade) olhando para o lado de dentro (a loucura). Já quando se é mentalmente são (pelo menos mais ou menos, né?) e, por algum descuido, mal entendido ou azar, se é tido como louco e se é mantido recluso num manicômio, não importa muito se o comportamento é de doido ou não. Tudo aquilo que o cidadão faça ou deixe de fazer, afirme ou desminta, por mais razoável que possa parecer, será interpretado como doidice e ponto. Por isso é tão assustador. Simão Bacamarte que o diga.
Pois muito bem. Até aqui já sabemos que todos eles eram gênios da literatura, logo candidatos à loucura, logo apavorados ante a perspectiva de enlouquecer, logo precisaram escrever sobre ela para extravasar - hehehe. (Para dar este último passo lógico precisei usar meus melhores conhecimentos psicanalíticos: uma misturinha daquilo que consegui ler e entender de Freud e Jung). Na próxima frase vou usar Lacan e aquela história de vermos o mundo como um espelho de nosotros próprios. Toda a literatura é autobiográfica. Pode soar um tanto peremptório e dogmático, mas é a mais pura verdade. Simão Bacamarte era um pouco do Machado de Assis, Ivan Dmitri Gromov era Tchekov e Doctor Tarr e Professor Fether eram o Poe. Todos médicos, ou loucos, ou médicos e loucos, nessa ordem.
Sendo geniais, eles obviamente sabiam que nós sabíamos que eles eram os seus personagens na ficção. E isso devia causar algum desconforto. Deve ser mesmo difícil para um escritor imaginar-se nu defronte de seus leitores, ano após ano, década após década, por todos os séculos dos séculos. Penso então que, para contornar esta incômoda situação, eles usassem (e usem ainda hoje, claro) de estratagemas com o intuito de não dar tanta bandeira assim. Um destes artifícios podia ser, por exemplo, omitir parte das histórias.
É justamente agora, neste momento, que chegamos finalmente ao começo de tudo: ao título da postagem. O objetivo, no final das contas, era contar uma dessas partes não contadas, mas esse preâmbulo todo aqui acabou tomando muito espaço. Então isso fica pra depois, tá? Nesse meio tempo, vocês podem ir lendo os contos, o que me facilitará muito toda a explicação subsequente.
Beijos de domingo e até amanhã,
Brena.
Sendo geniais, eles obviamente sabiam que nós sabíamos que eles eram os seus personagens na ficção. E isso devia causar algum desconforto. Deve ser mesmo difícil para um escritor imaginar-se nu defronte de seus leitores, ano após ano, década após década, por todos os séculos dos séculos. Penso então que, para contornar esta incômoda situação, eles usassem (e usem ainda hoje, claro) de estratagemas com o intuito de não dar tanta bandeira assim. Um destes artifícios podia ser, por exemplo, omitir parte das histórias.
É justamente agora, neste momento, que chegamos finalmente ao começo de tudo: ao título da postagem. O objetivo, no final das contas, era contar uma dessas partes não contadas, mas esse preâmbulo todo aqui acabou tomando muito espaço. Então isso fica pra depois, tá? Nesse meio tempo, vocês podem ir lendo os contos, o que me facilitará muito toda a explicação subsequente.
Beijos de domingo e até amanhã,
Brena.
Ontem li uma coisa absolutamente maravilhosa, do Jean-Luc Godard, sobre arte e cultura: "[No mundo] há uma regra e uma exceção: a cultura é a regra e a arte, a exceção. Todos falam a regra: cigarro, computador, camisetas, televisão, turismo, guerra. Ninguém fala a exceção. Ela não é dita. É escrita: Flaubert, Dostoyewski. É composta: Gershwin, Mozart. É filmada: Antonini, Vigo. É pintada: Cézanne, Vermeer." Isso aí: para o nosso infortúnio boa literatura não é cultura, mas exceção: arte escrita. De arrepiar...
ResponderExcluirJá pensaram em como seria o mundo se o sertão virasse mar e o mar, sertão?
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