quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Alfabeto de uma estrangeira em Atenas


Caríssimos,

a imagem acima é da Acrópole, tirada em um esplendoroso dia de sol de inverno. Já as impressões que seguem são apenas isso: pensamentos pueris de uma estrangeira em Atenas, taquigraficamente anotados num bloquinho que carreguei no bolso do casaco. Excepcionalmente,  dessa vez não trouxe câmera fotográfica. Trouxe só o celular. Tá bom. Ando cada vez com menos vontade de carregar peso. Seguindo a linha daquele poema, supostamente atribuído a Jorge Luiz Borges,  "Se eu pudesse voltar a viver, viajaria mais leve. .." Pois é, mais ou menos isso. Só que não esperei a próxima vida, comecei a viajar leve nessa mesmo. O problema é que, sem um registro, fica parecendo que o fato não aconteceu para valer, de verdade. Essa é uma parte da explicação para a existência do bloquinho de notas. Obviamente, as situações mais absurdas, surreais e inenarráveis da viagem precisarão esperar a publicação de minha primeira obra de ficção, e terão acontecido com algum personagem, como é natural que seja. Hehehehehe. Mas vamos lá:

Alfa. Cheguei bem destruida. Voo longo e muitas horas esperando as conexões. Mas o que a gente não faz para chegar na cidade que um dia já foi o centro do mundo? Hein?

Beta. Aqui, desde a primeira vez que pisei nessas terras,  todo mundo fala comigo em grego. Xingam o governo, me convidam para responder pesquisas de opinião,  perguntam as horas, pedem informações,  sei lá. Só sei que muita cara de grega eu devo ter.

Gama. O que eu gosto nisso: no verão, o pessoal que fica atrás dos gringos enchendo o saco não me incomodou, porque eles pensavam que eu era local.

O que eu não gosto nisso: como agora é inverno e quase não tem turistas, aí parece que eles tiveram mesmo certeza que eu era uma local. Ficam então tentando me vender planos de celular pós-pago ou de internet nas ruas, essas coisas que tentam empurrar só para os atenienses da gema.

Delta. Frase mais dita até hoje aqui: "I'm sorry, but I don't speek greek." Aí tudo volta ao normal.  Mas por pouco tempo.

Epsilon. Coisas que eles fazem igual a nós:
1. Param em cima da faixa de pedestres quando fecha o sinal,
2. Estacionam nas esquinas (achei que nisso são até um pouco piores que nós: estacionam muito nas esquinas!),
3. Não morrem de amores pelos sinais vermelhos,
4. Não respeitam sinal verde para os pedestres.

Coisas que eles fazem diferente de nós:

1. Aqui a maioria das mulheres tinge o cabelo de ruivo e não de loiro, como estamos acostumados a ver. (Padrão de beleza da década de 1950?),
2. Fumam muitíssimo. E em quase toda parte: me lembrou de como era no Brasil há uns 20 anos,
3. Motoqueiros aqui também são kamikazes, só que eles não usam capacetes! (Logo, devem morrer mais aqui do que aí,  na terrinha, não é verdade? ).

Zeta. Uma das coisas a um tempo mais fofas, inusitadas e intrigantes que vi aqui: árvores frutíferas nas calçadas. Bairros inteiros, cheinhos delas. São tangerineiras. Até aqui, tudo muito normal. É fofo porque fica muito charmoso mesmo. Mas o que mais me chamou a atenção é que as árvores estão carregadas e ninguém come as tangerinas. "Super educados, esses gregos", pensei. Mas não é nada disso. A explicação que recebi foi a seguinte: "they (as tangerineiras) are there only for decoration". "Mas como assim???". "Try one". Eu provei. Era azedíssima, mais azeda que o mais azedo dos limões. Aí pensei: "cara esperto, esse prefeito". Um pouco sádico,  mas esperto. Se fossem doces, não tinha sobrado nenhuma árvore inteirinha e toda decorada de pé, para contar a história. E para provar que não é história de pescador,  essa eu fotografei:



"The tangerine trees are there only for decoration." Essa é boa!

Eta. Dez palavras (copiadas de uma camiseta para turistas, pendurada na vitrine de uma loja da área da Plaka) sem as quais não se consegue sobreviver um mes em Atenas:

Bom dia: kalimera
Boa tarde: kalispera
Por favor: parakalo
Obrigado: efcharisto
Sim: ne
Não: ochi
Pão: psomi
Água: nero
Eu te amo: sagapou
Meu amor: agapi mou

Theta. Os docinhos são angelicais, dos deuses, semideuses, heróis, ninfas, musas e afins. Pistaches, amêndoas, gergelim, canela, massa folhada e muito, muito mel. Lembrar de provar um diferente por dia. Os nomes são impronunciáveis, mas basta apontar que eles entendem.

Iota. Hoje me perdi. Nessas de ficar andando, andando e experimentando novos caminhos sem olhar o mapa, para ir conhecendo a cidade cada vez mais, acabei indo parar num lugar muito sinistro, cheio de chineses mal encarados,  hotéis suspeitíssimos, botecos pé sujo, e todo tipo de espeluncas, com as placas escritas em mandarim, ou o que seja. Dei meia volta e tentei sair de lá a jato, na direção que eu achava que iria me trazer de volta à normalidade,  mas quanto mais eu andava,  mais me embrenhava por lá. Só quando a coisa estava ficando realmente preta é que resolvi dar uma de turista perdida e abrir o mapa bem no meio do antro da máfia chinesa. Medo. Tenho que parar com isso, pode ser perigoso.

Kappa. Fome. Já é meio dia. Vou sair para comer naquele mesmo restaurante / lanchonete na esquina do meu hotel. O cara já me conhece de tanto que vou lá.  Sujeitinha mais previsível,  eu. Mas a comida é ótima e eu gosto da cara dele me reconhecendo. Ando com a sensação que, a qualquer momento, já nem vou mais precisar fazer o pedido. Ele vai começar a preparar meu pita gyros (pork, e não chicken e com bastante salzic) quando me vir descendo a rua. Prático, isso.

Lambda. Fui a Sounion, de onde Perseu partiu para matar o Minotauro.

Itinerário: Athens- klathmonos Sq. - Syntagma Sq. - Fillelimon Street - Syggrou Ave. - Syggrou Fix. - Glyfada - Voula - Vougliagmani - Varkiza (Oh, God! Que lugar é esse!!! *-*) - Agia Marina -  Agios Dimitrios - Galazia Atki (blue cost) - Lagorini - Saronida- Amavissos - Thymarina - Legrena - Sounion. Tempo de viagem: 120'. Distância de Atenas: + ou - 65 km.

Temple of Poseidon - Cape Sounion

Poseidon, mar, mar, mar, o Mediterrâneo, aquele verde impossível, um ventão doido, soprando de todas as direções, penteado de Medusa, o Minotauro e Perseu, Perseu e o Minotauro.   #breathless

Depois continuo. Escrever no teclado do iphone é dose pra elefante. Anotar isso para a próxima vez que eu for passar tanto tempo fora e tiver a brilhante ideia de não trazer o laptop para não carregar peso.

Antío,
Brena.




2 comentários: