Queridos Alunos,
aproveitando que até segunda ordem estamos de férias e ainda não precisamos ser originais, sérios e compenetrados, é hoje que eu me jogo com roupa e tudo no poço dos lugares-comuns. Fazendo par com a postagem anterior, nesta confessarei que o autor que está empatado com Gabriel Garcia Márquez no primeiríssimo lugar do pódio do meu coração é o Machado de Assis. Não disse? Cliché, cliché, cliché. Mas o que fazer? Às vezes eles são inevitáveis...
Hoje falaremos sobre A Cartomante, originalmente publicada em 1884, e um verdadeiro primor do gênero Brazilian short stories.
O resumo da ópera é o seguinte (por favor, antes leiam o conto inteiro no link acima): Vilela e Camilo são amigos de infância e não se veem há muitos anos. Reencontram-se. Vilela apresenta a Camilo sua esposa, Rita. Camilo e Rita tornam-se amantes. Camilo recebe uma carta anônima ameaçadora. Com um misto de medo e remorso, Camilo passa a rarear as visitas à casa do casal, até que estas cessam por completo. O romance continua. Não obstante Rita sente-se insegura com o acontecido e consulta uma cartomante para saber se Camilo ainda a ama. A cartomante diz que sim. Cético, Camilo a reprova por isso. Novas cartas anônimas aparecem e coincidentemente Vilela torna-se taciturno. Temendo que ele estivesse desconfiando de algo, Camilo e Rita deliberam e decidem suspender os encontros por um tempo. No dia seguinte, Camilo recebe um bilhete de Vilela, muito seco, pedindo que ele fosse imediatamente à sua casa. Camilo estranha e desconfia do pior. Angustiado, decide ir ao encontro. No caminho, uma circustância fortuita (será?) faz com que ele consulte a mesma cartomante para saber o desfecho do encontro. Ela o tranquiliza completamente e, otimista, ele chega à residência do casal. Lá encontra Rita morta, estendida no canapé da sala. Foi sua última visão antes de ser ele próprio morto, alvejado por dois tiros de Vilela.
O que quererá isso tudo dizer? Será possível conhecer o futuro? E uma vez conhecido, será possível mudá-lo? Existe livre arbítrio ou tudo é destino, pré-determinado? Em última instância, existem possibilidades em aberto, ou só há o necessário e inexorável? É por essas e outras que eu digo que o Machado de Assis era um craque em lógica clássica, modal, paraconsistente, e por aí vai...
Examinaremos três possibilidades:
(i) Não é possível conhecer o futuro, logo não é possível mudá-lo,
(ii) É possível conhecer o futuro e mudá-lo e
(iii) É possível conhecer o futuro, mas não é possível mudá-lo.
(i) À primeira vista, o conto é uma grandessíssima gozação (ok, ok, é uma tragicomédia) do autor com os supostos poderes adivinhatórios da cartomante. Afinal de contas, ela, que é a figura em torno da qual os acontecimentos mais importantes se desenrolam, errara a previsão. Mas o Bruxo do Cosme Velho não era óbvio assim... Notem que o conto começa com uma alusão a Hamlet e à sua célebre frase acerca dos mistérios insondáveis do universo. Esta e várias outras pistas aparecem no conto sinalizando a verdadeira tese que ele pretendia defender: "há mais cousas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia", ou algo assim. Então deixemos de lado esta alternativa comezinha e partamos logo para as outras, mais interessantes...
(ii) A fim de responder se a cartomante podia ou não ler o futuro, será preciso conhecer um pouco mais desse personagem, que tinha "dedos finos, de unhas descuradas". Mas que em seguida é descrita como possuindo "duas fileiras de dentes que desmentiam as unhas". O que deve essa caracterização, aparentemente contraditória, significar? Que tudo não passa das "eternas contradições humanas"? Que a cartomante era uma pessoa humana e, enquanto tal, dona de vícios e virtudes, dramas e glórias? Era por isso que os dentes limpos desmentiam as unhas sujas? Se fosse assim, ela podia ou não saber o futuro? Em princípio sim, e já havia feito uma previsão acertada, quando da primeira visita de Rita. Naquela ocasião, a cartomante, quando perguntada se Camilo amava Rita deveras, dissera-lhe que sim. E com isso conseguira mudar o futuro, pois Rita saíra de lá aliviada.
(iii) Se é possível saber o futuro e mudá-lo, então por que a cartomante praticamente empurrou Camilo para a morte, dizendo (cinicamente?) "Vá, raggazzo innamorato..."? Algumas vezes seria possível apenas conhecê-lo, mas não mudá-lo? Minha hipótese é a de que, como a cartomante estava ali a serviço e não a passeio, percebeu rapidamente que, caso contasse a verdade, corria o sério risco de ficar sem o seu pagamento. Por isso resolveu calar.
Com isso chegamos finalmente à quarta, última e definitiva possiblidade, até agora ainda não aventada:
(iv) É possível conhecer o futuro, porém só é possível mudá-lo se a cartomante resolver falar a verdade - hehehe.
Examinaremos três possibilidades:
(i) Não é possível conhecer o futuro, logo não é possível mudá-lo,
(ii) É possível conhecer o futuro e mudá-lo e
(iii) É possível conhecer o futuro, mas não é possível mudá-lo.
(i) À primeira vista, o conto é uma grandessíssima gozação (ok, ok, é uma tragicomédia) do autor com os supostos poderes adivinhatórios da cartomante. Afinal de contas, ela, que é a figura em torno da qual os acontecimentos mais importantes se desenrolam, errara a previsão. Mas o Bruxo do Cosme Velho não era óbvio assim... Notem que o conto começa com uma alusão a Hamlet e à sua célebre frase acerca dos mistérios insondáveis do universo. Esta e várias outras pistas aparecem no conto sinalizando a verdadeira tese que ele pretendia defender: "há mais cousas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia", ou algo assim. Então deixemos de lado esta alternativa comezinha e partamos logo para as outras, mais interessantes...
(ii) A fim de responder se a cartomante podia ou não ler o futuro, será preciso conhecer um pouco mais desse personagem, que tinha "dedos finos, de unhas descuradas". Mas que em seguida é descrita como possuindo "duas fileiras de dentes que desmentiam as unhas". O que deve essa caracterização, aparentemente contraditória, significar? Que tudo não passa das "eternas contradições humanas"? Que a cartomante era uma pessoa humana e, enquanto tal, dona de vícios e virtudes, dramas e glórias? Era por isso que os dentes limpos desmentiam as unhas sujas? Se fosse assim, ela podia ou não saber o futuro? Em princípio sim, e já havia feito uma previsão acertada, quando da primeira visita de Rita. Naquela ocasião, a cartomante, quando perguntada se Camilo amava Rita deveras, dissera-lhe que sim. E com isso conseguira mudar o futuro, pois Rita saíra de lá aliviada.
(iii) Se é possível saber o futuro e mudá-lo, então por que a cartomante praticamente empurrou Camilo para a morte, dizendo (cinicamente?) "Vá, raggazzo innamorato..."? Algumas vezes seria possível apenas conhecê-lo, mas não mudá-lo? Minha hipótese é a de que, como a cartomante estava ali a serviço e não a passeio, percebeu rapidamente que, caso contasse a verdade, corria o sério risco de ficar sem o seu pagamento. Por isso resolveu calar.
Com isso chegamos finalmente à quarta, última e definitiva possiblidade, até agora ainda não aventada:
(iv) É possível conhecer o futuro, porém só é possível mudá-lo se a cartomante resolver falar a verdade - hehehe.
A imagem veio daqui. Tudo indica que são eles: Vilela, Camilo e Rita, à mesa. Momento tenso...
Até mais,
Brena.