sábado, 23 de maio de 2015

Jogo Indiana Jones e o cálice sagrado



Queridos Alunos,

antes que o mês de maio acabe de findar-se, vamos finalmente ao jogo que prometi. A história é bem conhecida: trata-se da cena mais eletrizante do filme "Indiana Jones e a Última Cruzada".

O pai de Indiana havia sido alvejado e ferido de morte pelos nazistas, e apenas o santo Graal poderia salvá-lo. Indiana, seu pai e os nazistas conseguem chegar ao local onde encontrava-se o cálice sagrado. No entanto, havia uma grande quantidade de cálices e ninguém sabia qual deles seria o verdadeiro. Naquela altura, qualquer erro seria fatal, tendo em vista que beber do santo Graal oferecia cura e vida eterna àquele que o fizesse , ao passo que uma escolha equivocada conduziria à morte.

O líder nazista equivocadamente escolhe um rico cálice dourado, dele bebe e morre. Já Indiana, ao contrário, faz uma escolha simbólica que remete à história de Jesus, optando por um cálice de madeira. Em seguida mergulha-o na fonte e bebe. Como não morreu, Indiana sabe que tomou a decisão correta. Leva então o cálice a seu pai, que dele também bebe, salvando-se da morte,

Se colocássemos a história sob a forma de uma árvore decisória, teríamos um jogo representado pela figura abaixo, com as recompensas expressas em número de sobreviventes (caso positivas) ou mortos (se negativas).




A seguir temos uma interpretação das recompensas do jogo em cada uma das sequências de decisões estratégicas, começando pelo ramo mais à esquerda da árvore:

·         Indiana escolhe um cálice dá para o pai beber cálice errado: { -1 ; 1 } representam { pai morre envenenado ; Indiana vive },
·         escolhe um cálice dá para o pai beber cálice certo: { 1 ; 1 } representam { pai vive ; Indiana vive },
·         escolhe um cálice bebe primeiro para provar cálice errado: { -1 ; -1 } representam { pai morre devido aos ferimentos ; Indiana morre envenenado },
·         escolhe um cálice bebe primeiro para provar cálice certo: { 1 ; 1 } representam { pai é salvo ; Indiana vive },

·         não escolhe um cálice: { -1; -1 } representam { Pai morre devido aos ferimentos; Indiana morre baleado }.

O constrangedor da história é que Indiana tomou uma decisão sub-ótima, se quiséssemos adotar um jargão econômico. No caso em pauta, ele não se comportou segundo os preceitos da teoria dos jogos. Seguindo a diretriz de uma decisão puramente racional, ele deveria ter dado a água para seu pai sem prová-la antes (neste caso, ele teria escolhido o sub-ramo da árvore decisória que oferece as melhores recompensas possíveis). Ou seja, se Indiana escolhesse o cálice certo e oferecesse antes ao seu pai, seu pai estaria salvo e ele também (se olharmos para o final da árvore, esta situação está representada pelo segundo par de resultados da esquerda para a direita, com recompensas de { 1; 1 } para o pai e para ele, respectivamente. Ou seja: ambos vivem!). Se Indiana escolhesse o cálice errado, então seu pai morreria, mas Indiana não (olhando para o final da árvore, esta situação está representada pelo primeiro par de resultados da esquerda para a direita, com recompensas de { -1 ; 1 } para o pai de Indiana e para ele, respectivamente .Caso Indiana tivesse escolhido o cálice errado antes de dá-lo a seu pai, ambos estariam mortos, pois Indiana morreria por ter bebido água no cálice errado e seu pai morreria em decorrência dos ferimentos (situação representada pelo terceiro resultado da esquerda para a direita da árvore. Ou seja,se tivesse usado a indução reversa, Indiana jamais ter seguido pelo ramo da árvore decisória "bebe primeiro para provar".


Isso mostra que, na vida real dos filmes (hehehe), os agentes às vezes deixam-se guiar por outros impulsos, normas e motivações que não a maximização da utilidade esperada. Naturalmente voltaremos a falar sobre isso...

Bye,
Brena.

P. S. Essa história encontra-se no livro Thinking Strategically: the competitive edge in business, politics and everyday life, de Dixit e Nalebuff  (pp. 49-50, se quiserem dar uma olhada).

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Deus é racional



Queridos Alunos,

nesse feriado descobri que Deus agiu racionalmente ao punir Adão e Eva, expulsando-os do paraíso. Bom, isso segundo o raciocínio da indução reversa. Acompanhem as setinhas pontilhadas na árvore decisória que fiz, abaixo. Ela representa o desenrolar da história, tal como é apresentada na Bíblia, logo após Adão e Eva terem provado do fruto proibido. As demais setas representam outros possíveis cursos de ação (ou estratégias), por parte dos jogadores.

A interpretação das recompensas do jogo em cada uma das sequências de decisões, começando pelo ramo mais à esquerda da árvore é a seguinte:

·      Adão e Eva obedecem Deus: as recompensas de { 3 ; 5 } representam { Adão e Eva fiéis; Deus satisfeito }
·   Adão e Eva  desobedecem Deus  Deus interroga Adão Adão e Eva negam a culpa: as recompensas de { 2 ; 2 } representam { Adão e Eva infiéis e desonestos ; Deus severo },
·     Adão e Eva desobedecem Deus  Deus interroga Adão   Adão e Eva admitem a culpa e pedem perdão   Deus mata Adão e Eva: { 1 ; 3 } representam { Adão e Eva infiéis porém honestos e arrependidos ; Deus severo e inclemente },
·      Adão e Eva desobedecem Deus   Deus interroga Adão   Adão e Eva admitem a culpa e pedem perdão  Deus pune Adão e Eva: as recompensas de { 4 ; 4 } representam { Adão e Eva infiéis porém honestos e arrependidos; Deus imparcial},
·     Adão e Eva desobedecem Deus  Deus interroga Adão   Adão e Eva admitem a culpa e pedem perdão  Deus ignora desobediência: as recompensas de { 5; 1 } representam { Adão e Eva infiéis, honestos, arrependidos, porém muito felizes por terem comido o fruto proibido e não terem sido punidos ; Deus fraco },

      Aqueles que conhecem a indução reversa sabem que o jogador deve decidir o que fará no presente analisando, no "futuro", quais as consequências de suas ações, e sempre buscando maximizar suas recompensas, naturalmente. Pelas recompensas do jogo, percebe-se que, para Deus, se tivesse que escolher entre ser intransigente, justo ou fraco, a saída do meio era, de longe, a melhor... O jogo se resolve em { 4 ; 4 } e foi esse também o desfecho da história da Bíblia.

Tudo veio de um livro muito bacana, que traz vários exemplos da racionalidade divina:

BRAMS, S. Biblical Games: Game Theory and the Hebrew Bible. Cambridge: The MIT Press, 1980.

Bom, agora temos certeza que Deus é racional, mas da próxima vez descobriremos que o Indiana Jones nem tanto...

Bye,
Brena.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Alfabeto de uma estrangeira em Atenas III (Final)


Rho. Museus, museus e mais museus. Dezenas deles. Nunca vi tantos num só lugar em toda a minha existência. Mas aqui é a terra do passado, natural que a quantidade de museus por quilômetro quadrado seja uma coisa fora do comum. Com tão poucos turistas, também tinha pouca gente circulando por lá e os guardinhas puderam dedicar a mim atenção quase que exclusiva. Ficavam me seguindo por onde quer que eu fosse. Primeiro isso me deixou um pouco irritada (será que eles estavam mesmo achando que eu iria sair dali com uma estátua de mármore de meia tonelada debaixo do braço?). Depois relaxei e entendi que alguma hora os coitados tinham que mostrar serviço, não é mesmo? Foi comigo.

No museu arqueológico (que é o maior deles), na hora que fui tinha só um casal de japoneses junto comigo. Estavam um pouco na minha frente, mas de vez em quando a gente se encontrava na mesma sala. Eles estavam fotografando tudo, tanto, e tão furiosamente, que eu, que nem gosto de tirar foto em museu nem nada, comecei a me sentir constrangida. Foi quando saquei o meu celular do bolso e me vi na obrigação de tirar algumas também.  Essa aí de cima é uma. O sátiro está tentando seduzir Afrodite, que não está gostando nada nada e por isso o ameaça com uma chinela. Aí chega Eros para socorrê-la (tem coisa mais engraçadinha que essa cena?). Nesse dia descobri que chinelada de mulher é a coisa mais velha do mundo.

Sigma. Eros, o deus do amor, na verdade é um anjo barroco. Ou melhor, na verdade, na verdade mesmo, os anjos barrocos é que foram criados à imagem e semelhança de um deus pagão. Comprei três Eros na feirinha de antiguidades da Thissio para a minha coleção de anjos barrocos.

Tau. Parte do preciosíssimo azeite extravirgem da ilha de Creta vazou na minha mala. (#§/¢@$^&*\€:ª}:((O ₩¥£%¤€£!!!!!!!!). Esse troço é grosso feito petróleo. Vou levar uma vida para tirar o cheiro de azeitona das minhas roupas.

Ypsilon. Festival Bergman. Esse é o segundo dia que fico a tarde e a noite inteirinhas trancafiada no hotel assistindo filmes. Resolvi que Atenas seria um excelente lugar para ver filmes suecos, fossem os que eu já tinha visto fazia muito tempo e queria rever, ou então aqueles que não tinha conseguido assistir ainda. Tem gente que chama isso de desperdício, eu chamo de liberdade. Amei de paixão desperdiçar meu tempo na Europa. 

Os filmes, na ordem:
  • Fanny & Alexander
  • Cenas de um Casamento (5 horas no total! Very touching, especialmente para aqueles que já foram, são ou ainda pensam em ser casados algum dia. hehehehehe),
  • Sonata de Outono,
  • Gritos e Sussurros,
  • Morangos Silvestres e
  • O Sétimo Selo (a cena do cavaleiro jogando xadrez com a morte é mesmo um primor. Consegui vencer meu preconceito e assisti dois filmes preto e branco num único dia!).

Phi. Saudades de casa. Anotar isso para as próximas férias: uma semana viajando é pouquíssimo, duas semanas é bom, três semanas é ótimo, mas um mes é muito. 


Khi. Hoje devo ter andado uns 30 km, agora mal posso pisar no chão. Bem esperta, eu. Ainda há pouco, quando já não estava mais aguentando, para terminar o dia resolvi fazer pela enésima vez o meu passeio longo. Este consiste em: descer toda a Aeolou até chegar na casa de banho dos ventos ("Bath House of the Winds". Lindo, não?), dobrar à direita na Pelopida contornando as ruínas da parte baixa da cidade, passar pela Ágora Romana, sempre caminhando em direção à estação de metrô do Thissio. Depois, atravessar a feirinha de antiguidades e andar a Apostolou Pavlou inteirinha. Oliveiras, oliveiras, oliveiras all over. Sempre encontro o saxofonista mais ou menos na metade da subida, separado do acordeonista por uns míseros 50 passos. Tem vez, quando o vento está contra, que as melodias se misturam. Hoje um estava tocando bossa nova (Dindi. Pode? Achei até que fosse em minha homenagem) e o outro um tango que não reconheci. Bem ali, quando a Apostolou Pavlou desemboca na Dionisyou Areopagitou, a uns 30 metros a sudeste, ficava a prisão de Sócrates. Toda vez que passo por lá e lembro disso me corre um frio na espinha. Depois sempre entro na Dionisyou à esquerda e pego a Adrianou, para em seguida vir ziguezagueando pelas vielas da Plaka até chegar de volta na pracinha do Monasteraki. Esse percurso inteiro deve dar entre 8 e 9 km mais ou menos, calculo. Assim faço a volta completa na Acrópole, por baixo. 

Andar nesse lugar, pisar nesses mármores e nessas areias milenares é um negócio muito emocionante. Ando, ando, ando, os pés já não podem mais, mas não me farto!

Não carrego mais o mapa, já não me perco. Desenvolvi um super sistema de localização: fácil, fácil. Quando estou andando a esmo e penso estar perdida, é só olhar para cima e procurar a Acrópole. Dependendo da posição do Partenon, daquilo que consigo ou não ver dele, sei como voltar para o hotel ou ir para qualquer outra rua do centro histórico. #feelingveryveryproudofmyself

Psi. Amanhã à noite sai meu voo de volta. Cedo, quando estiver descendo pela Athinas, lembrar de parar no mercado municipal para comprar uma tonelada de azeitonas kalamata, que em casa serão devidamente acondicionadas no cofre. Isso não dou pra ninguém, vou comer tudo sozinha. 

Na bagagem: o que sobrou dos cinco litros de azeite extravirgem da ilha de Creta, as azeitonas, caixas e mais caixas de doces (encomenda da minha filha), minhas roupas e uma prece. "Que a polícia federal não resolva passar essa bagagem pelo raio X, se não dessa vez não escapo". Tão certo como dois e dois são quatro, muitos anos por tráfico internacional de gostosuras. 

Ômega. Ao fim e ao cabo, apenas uma coisa é muito certa nisso tudo: quando o sol apaga e a Acrópole acende, dá uma vontade louca de ficar mais um pouco. 


É por isso que eu vou, mas volto. Falou?

Fim

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Alfabeto de uma estrangeira em Atenas II


Templo de Apolo, Oráculo de Delfos

Mi. Ontem fui a Delfos. Não é à toa que os gregos antigos achavam que ali era o umbigo do mundo... Um temendo cliché isso que eu vou dizer, mas vou dizer do mesmo jeito, porque se trata da mais pura verdade: aquele lugar é mágico. Não me lembro de ter me sentido assim em nenhuma outra parte do mundo. Extasiada, maravilhada, impressionada, sim, mas encantada, nunca. Só lá. Talvez isso se deva a Édipo Rei , talvez àquela paisagem de tirar o fôlego, talvez ao cheiro de incenso de mirra, que vinha não sei de onde, talvez ao som do badalar dos sinos pendurados nos pescoços das cabras montanhesas, que iam e vinham a trotinhos, pastando nas encostas do Parnassos, talvez ao fato de eu praticamente não ter conseguido dormir na noite anterior, de tão excitada que estava por causa da viagem, ou ainda à soma de tudo isso. Não sei. Fato é que não andei em Delfos: fui às nuvens e voltei, planando e sorrindo. Encantamento.

Ni. Supermercado: suco de cereja - hmmmmmm, delicious! :) - pistaches, tâmaras, barrinhas de gergelim e vinho. Estou provando um diferente a cada três dias, mais ou menos, que é o tempo que eu levo para terminar uma garrafa. Tomara que não volte para Floripa alcoólatra. Hehehehehe. Ah, comprei também uma latona de cinco litros de azeite extravirgem da ilha de Creta, que me custou uma pequena fortuna, mas tudo bem. Esse azeite faz parte daquela meia dúzia de coisas no mundo que a gente deve comer de joelhos, rezando. Enrolei num saco plástico e guardei na mala. Mal pressentimento.

Ksi. Aprendi três novas palavras:
"Malakias": means "bull-shit". Aprender palavrão em grego is coooool!,
"Melancholia": means "melancolia",
"Paradero": means "paradeiro". Grego até que nem é tão difícil, né? Hehehehe. (Acordei de muito bom humor). Aliás,  e por falar em grego, está acontecendo um negócio bem interessante: comecei a entender quando eles falam comigo! Quer dizer,  eu não sei o significado das palavras,  mas de uns dias para cá, passei a conseguir entender o que eles querem dizer. Aí eu respondo em inglês, eles entendem, e todos ficamos felizes.

Omicron. Notícias de economia. É fato: o país está quebrado. Nem precisava saber disso dos jornais. Tem tanta loja fechada nos shoppings e no centro da cidade que não é difícil perceber que as coisas vão mal, bem mal. Ainda mais fora da temporada, como agora. As lojinhas da Plaka e de Monasteraki estão às moscas, literalmente. Só não entendi direito uma coisa: se não estão vendendo nada, como parece ser o caso, por que não fazem uma baita liquidação???  Mas os preços continuam os mesmos de quando estive aqui no verão. Muito estranho... Não ouviram falar da lei geral da demanda?

Pi. Hoje o dia amanheceu belíssimo. Vou sair para fotografar. Já! Pelas minhas contas, ainda faltam: Rho, Sigma, Tau, Ypsilon, Phi, Khi, Psi e Ômega, ok?

Bye,
Brena. 

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Alfabeto de uma estrangeira em Atenas


Caríssimos,

a imagem acima é da Acrópole, tirada em um esplendoroso dia de sol de inverno. Já as impressões que seguem são apenas isso: pensamentos pueris de uma estrangeira em Atenas, taquigraficamente anotados num bloquinho que carreguei no bolso do casaco. Excepcionalmente,  dessa vez não trouxe câmera fotográfica. Trouxe só o celular. Tá bom. Ando cada vez com menos vontade de carregar peso. Seguindo a linha daquele poema, supostamente atribuído a Jorge Luiz Borges,  "Se eu pudesse voltar a viver, viajaria mais leve. .." Pois é, mais ou menos isso. Só que não esperei a próxima vida, comecei a viajar leve nessa mesmo. O problema é que, sem um registro, fica parecendo que o fato não aconteceu para valer, de verdade. Essa é uma parte da explicação para a existência do bloquinho de notas. Obviamente, as situações mais absurdas, surreais e inenarráveis da viagem precisarão esperar a publicação de minha primeira obra de ficção, e terão acontecido com algum personagem, como é natural que seja. Hehehehehe. Mas vamos lá:

Alfa. Cheguei bem destruida. Voo longo e muitas horas esperando as conexões. Mas o que a gente não faz para chegar na cidade que um dia já foi o centro do mundo? Hein?

Beta. Aqui, desde a primeira vez que pisei nessas terras,  todo mundo fala comigo em grego. Xingam o governo, me convidam para responder pesquisas de opinião,  perguntam as horas, pedem informações,  sei lá. Só sei que muita cara de grega eu devo ter.

Gama. O que eu gosto nisso: no verão, o pessoal que fica atrás dos gringos enchendo o saco não me incomodou, porque eles pensavam que eu era local.

O que eu não gosto nisso: como agora é inverno e quase não tem turistas, aí parece que eles tiveram mesmo certeza que eu era uma local. Ficam então tentando me vender planos de celular pós-pago ou de internet nas ruas, essas coisas que tentam empurrar só para os atenienses da gema.

Delta. Frase mais dita até hoje aqui: "I'm sorry, but I don't speek greek." Aí tudo volta ao normal.  Mas por pouco tempo.

Epsilon. Coisas que eles fazem igual a nós:
1. Param em cima da faixa de pedestres quando fecha o sinal,
2. Estacionam nas esquinas (achei que nisso são até um pouco piores que nós: estacionam muito nas esquinas!),
3. Não morrem de amores pelos sinais vermelhos,
4. Não respeitam sinal verde para os pedestres.

Coisas que eles fazem diferente de nós:

1. Aqui a maioria das mulheres tinge o cabelo de ruivo e não de loiro, como estamos acostumados a ver. (Padrão de beleza da década de 1950?),
2. Fumam muitíssimo. E em quase toda parte: me lembrou de como era no Brasil há uns 20 anos,
3. Motoqueiros aqui também são kamikazes, só que eles não usam capacetes! (Logo, devem morrer mais aqui do que aí,  na terrinha, não é verdade? ).

Zeta. Uma das coisas a um tempo mais fofas, inusitadas e intrigantes que vi aqui: árvores frutíferas nas calçadas. Bairros inteiros, cheinhos delas. São tangerineiras. Até aqui, tudo muito normal. É fofo porque fica muito charmoso mesmo. Mas o que mais me chamou a atenção é que as árvores estão carregadas e ninguém come as tangerinas. "Super educados, esses gregos", pensei. Mas não é nada disso. A explicação que recebi foi a seguinte: "they (as tangerineiras) are there only for decoration". "Mas como assim???". "Try one". Eu provei. Era azedíssima, mais azeda que o mais azedo dos limões. Aí pensei: "cara esperto, esse prefeito". Um pouco sádico,  mas esperto. Se fossem doces, não tinha sobrado nenhuma árvore inteirinha e toda decorada de pé, para contar a história. E para provar que não é história de pescador,  essa eu fotografei:



"The tangerine trees are there only for decoration." Essa é boa!

Eta. Dez palavras (copiadas de uma camiseta para turistas, pendurada na vitrine de uma loja da área da Plaka) sem as quais não se consegue sobreviver um mes em Atenas:

Bom dia: kalimera
Boa tarde: kalispera
Por favor: parakalo
Obrigado: efcharisto
Sim: ne
Não: ochi
Pão: psomi
Água: nero
Eu te amo: sagapou
Meu amor: agapi mou

Theta. Os docinhos são angelicais, dos deuses, semideuses, heróis, ninfas, musas e afins. Pistaches, amêndoas, gergelim, canela, massa folhada e muito, muito mel. Lembrar de provar um diferente por dia. Os nomes são impronunciáveis, mas basta apontar que eles entendem.

Iota. Hoje me perdi. Nessas de ficar andando, andando e experimentando novos caminhos sem olhar o mapa, para ir conhecendo a cidade cada vez mais, acabei indo parar num lugar muito sinistro, cheio de chineses mal encarados,  hotéis suspeitíssimos, botecos pé sujo, e todo tipo de espeluncas, com as placas escritas em mandarim, ou o que seja. Dei meia volta e tentei sair de lá a jato, na direção que eu achava que iria me trazer de volta à normalidade,  mas quanto mais eu andava,  mais me embrenhava por lá. Só quando a coisa estava ficando realmente preta é que resolvi dar uma de turista perdida e abrir o mapa bem no meio do antro da máfia chinesa. Medo. Tenho que parar com isso, pode ser perigoso.

Kappa. Fome. Já é meio dia. Vou sair para comer naquele mesmo restaurante / lanchonete na esquina do meu hotel. O cara já me conhece de tanto que vou lá.  Sujeitinha mais previsível,  eu. Mas a comida é ótima e eu gosto da cara dele me reconhecendo. Ando com a sensação que, a qualquer momento, já nem vou mais precisar fazer o pedido. Ele vai começar a preparar meu pita gyros (pork, e não chicken e com bastante salzic) quando me vir descendo a rua. Prático, isso.

Lambda. Fui a Sounion, de onde Perseu partiu para matar o Minotauro.

Itinerário: Athens- klathmonos Sq. - Syntagma Sq. - Fillelimon Street - Syggrou Ave. - Syggrou Fix. - Glyfada - Voula - Vougliagmani - Varkiza (Oh, God! Que lugar é esse!!! *-*) - Agia Marina -  Agios Dimitrios - Galazia Atki (blue cost) - Lagorini - Saronida- Amavissos - Thymarina - Legrena - Sounion. Tempo de viagem: 120'. Distância de Atenas: + ou - 65 km.

Temple of Poseidon - Cape Sounion

Poseidon, mar, mar, mar, o Mediterrâneo, aquele verde impossível, um ventão doido, soprando de todas as direções, penteado de Medusa, o Minotauro e Perseu, Perseu e o Minotauro.   #breathless

Depois continuo. Escrever no teclado do iphone é dose pra elefante. Anotar isso para a próxima vez que eu for passar tanto tempo fora e tiver a brilhante ideia de não trazer o laptop para não carregar peso.

Antío,
Brena.




quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Simão Bacamarte em Moscow. Final. Ou então: a Verdade, a Verdade, a Verdade



Queridos Alunos,

para quem não se lembra mais, já que tanto tempo passou desde então, isso que segue é a continuação de Simão Bacamarte em Moscow: a parte não contada da história e tem por objetivo justamente revelar a parte faltante. Ou seja, tornar público, com mais de um século de atraso, o que, afinal de contas, Simão foi fazer na Enfermaria nº 6. Como isso aqui não é literatura nem nada, prometo que contarei tão somente a verdade, a verdade, e nada além da verdade.

Estou segura de que todos hão de ter ouvido falar da desgraça que se abateu sobre a pacata Itaguaí, do Dr. Simão Bacamarte, o eminente médico alienista que mandou prender e desprender todas as gentes da cidade e das cercanias. Quando tudo isso começou a acontecer, andava o ano da graça de 1863.

Decerto saberão também que sua fama não era infundada. Dr. Bacamarte foi o maior, o mais prodigioso, o mais brilhante dos médicos de então, e por conta disso seu nome corria mundos (o velho e o novo). Assim narram as crônicas. O que nem todo mundo sabe diz respeito aos acontecimentos que precederam a sua vinda para o Brasil e o episódio da Casa Verde.

Ainda estudante em Coimbra, certa vez  tomou parte num Congresso de Medicina em Londres. Foi quando conheceu o Dr. Andrei Efimich, médico russo que trabalhava num hospital localizado nos arredores de Moscow. Deram-se muito bem desde o primeiro contato e, nos intervalos das conferências, o Dr. Efimich não tardou a contar sua experiência no hospital, alongando-se em melancólicas divagações sobre a péssima situação da saúde na cidade. Narrou o estado deplorável, a imundície do hospital, o terrível odor de "jaula de feras" que impregnava o lugar, a falta de condições mínimas de trabalho, enfim... Porém falou mais demoradamente sobre um assunto que começava a lhe despertar maior interesse: a loucura. Lamentou -- desesperançosamente, é preciso que se diga -- a falta de tratamento adequado para saná-la, a crueldade, a rudeza, os modos brutos com que eram tratados os mentecaptos, que chegavam inclusive a ficar a ferros, por dias e dias seguidos.  Ou seja, a bem da verdade, nada mais nada menos do que o tratamento-padrão dispensado aos alienados no século XIX. Mas foi um assunto em especial que chamou a atenção de Simão: a Enfermeria n° 6, onde eram mantidos reclusos os loucos. Isto porque, naquela altura, encerrar os alienados num só lugar era algo tão inusitado que parecia, por si só, uma ideia de doudo. E era exatamente isso que estava acontecendo numa ala anexa ao hospital russo! Tamanho foi o entusiasmo despertado com a notícia daquela experiência inovadora, que Simão entabulou de imediato negociações com o colega para marcar uma visita. E que fosse para breve. Assim foi feito.

Dois meses depois, foi ter Simão com o Dr. Efimich para observar in loco aquilo que, de longe, parecera-lhe tão estrondosamente revolucionário. Lá chegando, avistou os cinco internos da Enfermaria n° 6. Cinco internos. Como eram em número tão reduzido, fez-se a primeira luz:


A verdade:

"A loucura é uma ilha perdida no oceano da razão."

Eram afinal poucos os loucos! Sim!

Dos cinco, Simão prestou mais atenção no judeu chamado Moseika, a quem era permitido sair a perambular e mendigar nas ruas próximas, e em Ivan Dmitri Gromov, que sofria de mania de perseguição, e a quem o Dr. Efimich dispensava especiais cuidados. Parecia mesmo nutrir por este interno certa estima, pois visitava-o todo santo dia para conversar com ele por longos períodos! Mas o mais era simplesmente o caos. Não havia estudos, nem tratamentos específicos destinados às diversas doenças mentais que, aliás, nem haviam sido catalogadas! Faltava método naquela loucura. Faltava método, concluiu. O método científico.

Foi quando outra revelação assomou-lhe à mente:

Outra verdade:

-- "Meus Senhores, a ciência é cousa séria, e merece ser tratada com seriedade."

Afirmou Simão aos seus interlocutores, já que naquele momento estava também na presença de outros colegas russos, vindos especialmente para ouvirem suas impressões sobre as condições dos internos. "A ciência é cousa séria, seríssima!", repetiu, solene. "Lançar hipóteses, testá-las, experimentá-las, colocá-las à prova, refutá-las, para depois começar tudo novamente... Essas cousas que a humanidade toda já conhece. Vocês aqui precisam disso, caso contrário jamais lograrão êxito nos tratamentos", sentenciou.

É totalmente dispensável explicitar isso, mas foi ali, naquele preciso momento, na Enfermaria n° 6, que foi plantada a semente da Casa Verde e selado o destino de Simão Bacamarte.

Ele voltou para Coimbra, concluiu seu curso, formou-se médico, Doutor, cientista, veio trabalhar no Brasil e tudo aquilo que já é público e notório se deu. E minha missão vai se encaminhando para o final. Mas não sem antes dizer que o Dr. Bacamarte nunca perdeu contato com o Dr. Efimich, pois os dois correspondiam-se muito a miúdo, e não sem antes fazer uma derradeira revelação:

A última, a derradeira verdade:

Enquanto acompanhava, de longe, o triste ocaso do colega, certo dia disse Simão de si para consigo: "Quando finalmente descobrir a verdade sobre a loucura, vou parar. Isso de estudar sempre, sempre, não é bom, vira o juízo da gente."

O resto vocês já sabem: deu no que deu.

Sou capaz de jurar que foi exatamente assim, tintim por tintim, que tudo sucedeu.

Até mais,
Brena.

P. S.


domingo, 25 de novembro de 2012

Johnny Depp e o Postulado da Racionalidade na Economia



Queridos Alunos,

os seres humanos (descontando os insanos) são racionais, certo? Mas o que significa dizer isso? O conceito de agente racional é a pedra-de-toque de toda a teoria clássica da decisão. Mas o que o senso comum entende por "racionalidade" não necessariamente possui o mesmo significado que os filósofos e os economistas atribuem ao termo.

Via de regra, diz-se que uma pessoa é racional quando o seu comportamento é calmo, ponderado, sensato, lógico, coerente. Um filósofo da teoria da decisão diria que a racionalidade vincula-se à noção de "adequação à situação-problema". Já para um economista os agentes racionais possuem um atributo a mais: são auto-interessados, no sentido de compararem escolhas e buscarem sempre aquelas capazes de maximizar seus benefícios próprios e minimizar seus custos.

Vamos tentar um exemplo bem simplesinho para que vocês entendam esse negócio direito. Suponhamos que uma das meninas pretendesse definir o que fazer na próxima sexta à noite. Ela gostaria muito de jantar com uma companhia masculina e tem três opções em mente:

1. Jantar com o Johnny Depp, que é um dos seus atores preferidos (além de ser o mais gato de todos os rapazes que ela já viu nesta vida),
2. jantar com um vizinho seu, também gatinho (e sempre tão gentil), e finalmente
3. jantar com um amigo da sua melhor amiga, meio mala, que vive pedindo a ela que apresente os dois.

Como vocês aprenderam nas aulinhas de Micro, esta lista de preferências da minha aluna imaginária obedece ao critério da completude, pois todas as possíveis ações estão hierarquizadas (sendo a indiferença entre duas ou mais ações também possível). E precisa atender também ao critério da transitividade: se jantar com o Johnny é preferível a jantar com o vizinho gatinho, e jantar com o vizinho é preferível a jantar com o mala, então obviamente jantar com o Johnny precisa ser preferível a jantar com o mala. Temos então: Johnny > Vizinho-gatinho > Mala-amigo-da-amiga. Estes critérios precisam ser obedecidos, caso contrário não haverá a menor chance de conseguirmos prever a ação escolhida.

Mas não é só isso. Precisamos também admitir que minha aluna hipotética consiga calcular as probabilidades de cada curso de ação que ela tenha em mente para que possa haver uma ação racional. Dizemos por isso que uma ação ótima será aquela com maior probabilidade de proporcionar aquilo que mais queremos. No nosso exemplo, atribuir probabilidades às ações é bem simples. Vejamos: conseguir um encontro com o Johnny não será nada fácil (praticamente impossível, se quisermos ser bem realistas), com o vizinho gentil, bem mais provável, e com o mala, cem por cento seguro. Sendo assim, ela terá maximizado sua utilidade e consequentemente agido racionalmente se resolveu jantar com o vizinho.

Aqui foi fácil, mas nem sempre é assim. Dará certo sempre? É verdade que as pessoas agirão dessa maneira em todas as decisões que tomarem e ações que empreenderem? Não. Há mi-lha-res de problemas envolvidos nisso. Mas, como eu também não canso de dizer, onde está o mandamento dizendo que alguma coisa nessa nossa vidinha seria fácil, hein? hein? hein?

A música tema de hoje, inegavelmente, é este pout pourri aqui. Primeiro, porque eu adoro o Lenine. Depois, porque será mesmo de Pernambuco que o mundo inteirinho saberá um pouco mais sobre o postulado da racionalidade, depois dos 20 minutos a que terei direito no dia 12/12/12. Profético isso, não? Hehehehehe.



Quem viver, verá.

Brena.

domingo, 2 de setembro de 2012

Simão Bacamarte em Moscow: a parte não contada da história


"Quando um louco parece completamente lúcido é o momento de colocar-lhe a camisa de força."
Edgar Allan Poe


Queridos Alunos,

hoje, domingo, é oficialmente o último dia da greve. Amanhã precisaremos voltar a ser sérios. Nesse caso, como o amanhã não chegou, podemos ainda nos esbaldar, deitar e rolar. É este o preciso motivo de termos hoje aqui Edgar Allan Poe (1809-1849), Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908) e Anton Tchekov (1860-1904).

O que os três tinham de diferente? Um era norte-americano, outro brasileiro e o último russo. E o que eles tinham em comum? Todos três viveram no século XIX, todos eram escritores, todos foram geniais. E todos escreveram contos ou novelas sobre a loucura. Do Tchekov temos a Enfermaria nº 6, do queridíssimo temos O Alienista e por fim, porém não menos brilhante, da safra do Mr. Poe temos O Sistema do Dr. Tarr e do Professor Fether.

A recorrência do tema entre os gênios é fácil de entender. Eu sempre achei que, sendo gênio, não dava para o camarada simultaneamente ser muito certinho da cabeça. São coisas incompatíveis, mutuamente excludentes. Se é gênio,  segue-se necessariamente que não é normal, né não? Caso eles tivessem consciência da própria genialidade -- o que penso que deva ocorrer com alguma regularidade --, é de se esperar que se preocupassem com a possibilidade da loucura completa. E isso em dois sentidos:

i) o perigo de enlouquecer de fato e
ii) o perigo de, em decorrência de alguma excentricidade, serem tomados por loucos e acabarem dando com os costados em algum hospício.

A última é para mim a alternativa mais apavorante. Vejam bem:  quando já se saiu da casinha, nada mais deve importar muito. Isso torna a alternativa i) um pouco mais suportável quando se está do lado de fora (na sanidade) olhando para o lado de dentro (a loucura). Já quando se é mentalmente são (pelo menos mais ou menos, né?) e, por algum descuido, mal entendido ou azar, se é tido como louco e se é mantido recluso num manicômio, não importa muito se o comportamento é de doido ou não. Tudo aquilo que o cidadão faça ou deixe de fazer, afirme ou desminta, por mais razoável que possa parecer, será interpretado como doidice e ponto. Por isso é tão assustador. Simão Bacamarte que o diga.

Pois muito bem. Até aqui já sabemos que todos eles eram gênios da literatura, logo candidatos à loucura, logo apavorados ante a perspectiva de enlouquecer, logo precisaram escrever sobre ela para extravasar - hehehe. (Para dar este último passo lógico precisei usar meus melhores conhecimentos psicanalíticos: uma misturinha daquilo que consegui ler e entender de Freud e Jung). Na próxima frase vou usar Lacan e aquela história de vermos o mundo como um espelho de nosotros próprios. Toda a literatura é autobiográfica. Pode soar um tanto peremptório e dogmático, mas é a mais pura verdade. Simão Bacamarte era um pouco do Machado de Assis, Ivan Dmitri Gromov era Tchekov e Doctor Tarr e Professor Fether eram o Poe. Todos médicos, ou loucos, ou  médicos e loucos, nessa ordem.

Sendo geniais, eles obviamente sabiam que nós sabíamos que eles eram os seus personagens na ficção. E isso devia causar algum desconforto. Deve ser mesmo difícil para um escritor imaginar-se nu defronte de seus leitores, ano após ano, década após década, por todos os séculos dos séculos. Penso então que, para contornar esta incômoda situação, eles usassem (e usem ainda hoje, claro) de estratagemas com o intuito de não dar tanta bandeira assim. Um destes artifícios podia ser, por exemplo, omitir parte das histórias.

É justamente agora, neste momento, que chegamos finalmente ao começo de tudo: ao título da postagem. O objetivo, no final das contas, era contar uma dessas partes não contadas, mas esse preâmbulo todo aqui acabou tomando muito espaço. Então isso fica pra depois, tá? Nesse meio tempo, vocês podem ir lendo os contos, o que me facilitará muito toda a explicação subsequente.

Beijos de domingo e até amanhã,
Brena.

domingo, 29 de julho de 2012

O Bruxo e a Cartomante


Queridos Alunos,

aproveitando que até segunda ordem estamos de férias e ainda não precisamos ser originais, sérios e compenetrados, é hoje que eu me jogo com roupa e tudo no poço dos lugares-comuns. Fazendo par com a postagem anterior, nesta confessarei que o autor que está empatado com Gabriel Garcia Márquez no primeiríssimo lugar do pódio do meu coração é o Machado de Assis. Não disse? Cliché, cliché, cliché. Mas o que fazer? Às vezes eles são inevitáveis...

Hoje falaremos sobre A Cartomante, originalmente publicada em 1884, e um verdadeiro primor do gênero Brazilian short stories.

O resumo da ópera é o seguinte (por favor, antes leiam o conto inteiro no link acima): Vilela e Camilo são amigos de infância e não se veem há muitos anos. Reencontram-se. Vilela apresenta a Camilo sua esposa, Rita. Camilo e Rita tornam-se amantes. Camilo recebe uma carta anônima ameaçadora. Com um misto de medo e remorso, Camilo passa a rarear as visitas à casa do casal, até que estas cessam por completo. O romance continua. Não obstante Rita sente-se insegura com o acontecido e consulta uma cartomante para saber se Camilo ainda a ama. A cartomante diz que sim. Cético, Camilo a reprova por isso. Novas cartas anônimas aparecem e coincidentemente Vilela torna-se taciturno. Temendo que ele estivesse desconfiando de algo, Camilo e Rita deliberam e decidem suspender os encontros por um tempo. No dia seguinte, Camilo recebe um bilhete de Vilela, muito seco, pedindo que ele fosse imediatamente à sua casa. Camilo estranha e desconfia do pior. Angustiado, decide ir ao encontro. No caminho, uma circustância fortuita (será?) faz com que ele consulte a mesma cartomante para saber o desfecho do encontro. Ela o tranquiliza completamente e, otimista, ele chega à residência do casal. Lá encontra Rita morta, estendida no canapé da sala. Foi sua última visão antes de ser ele próprio morto, alvejado por dois tiros de Vilela.

O que quererá isso tudo dizer? Será possível conhecer o futuro? E uma vez conhecido, será possível mudá-lo? Existe livre arbítrio ou tudo é destino, pré-determinado? Em última instância, existem possibilidades em aberto, ou só há o necessário e inexorável? É por essas e outras que eu digo que o Machado de Assis era um craque em lógica clássica, modal, paraconsistente, e por aí vai...

Examinaremos três possibilidades:

(i) Não é possível conhecer o futuro, logo não é possível mudá-lo,
(ii) É possível conhecer o futuro e mudá-lo e
(iii) É possível conhecer o futuro, mas não é possível mudá-lo.

(i) À primeira vista, o conto é uma grandessíssima gozação (ok, ok, é uma tragicomédia) do autor com os supostos poderes adivinhatórios da cartomante. Afinal de contas, ela, que é a figura em torno da qual os acontecimentos mais importantes se desenrolam, errara a previsão. Mas o Bruxo do Cosme Velho não era óbvio assim... Notem que o conto começa com uma alusão a Hamlet e à sua célebre frase acerca dos mistérios insondáveis do universo. Esta e várias outras pistas aparecem no conto sinalizando a verdadeira tese que ele pretendia defender: "há mais cousas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia", ou algo assim. Então deixemos de lado esta alternativa comezinha e partamos logo para as outras, mais interessantes...

(ii) A fim de responder se a cartomante podia ou não ler o futuro, será preciso conhecer um pouco mais desse personagem, que tinha "dedos finos, de unhas descuradas". Mas que em seguida é descrita como possuindo "duas fileiras de dentes que desmentiam as unhas". O que deve essa caracterização, aparentemente contraditória, significar? Que tudo não passa das "eternas contradições humanas"? Que a cartomante era uma pessoa humana e, enquanto tal, dona de vícios e virtudes, dramas e glórias? Era por isso que os dentes limpos desmentiam as unhas sujas? Se fosse assim, ela podia ou não saber o futuro? Em princípio sim, e já havia feito uma previsão acertada, quando da primeira visita de Rita. Naquela ocasião, a cartomante, quando perguntada se Camilo amava Rita deveras, dissera-lhe que sim. E com isso conseguira mudar o futuro, pois Rita saíra de lá aliviada.


(iii) Se é possível saber o futuro e mudá-lo, então por que a cartomante praticamente empurrou Camilo para a morte, dizendo (cinicamente?) "Vá, raggazzo innamorato..."? Algumas vezes seria possível apenas conhecê-lo, mas não mudá-lo? Minha hipótese é a de que, como a cartomante estava ali a serviço e não a passeio, percebeu rapidamente que, caso contasse a verdade, corria o sério risco de ficar sem o seu pagamento. Por isso resolveu calar.

Com isso chegamos finalmente à quarta, última e definitiva possiblidade, até agora ainda não aventada:

(iv) É possível conhecer o futuro, porém só é possível mudá-lo se a cartomante resolver falar a verdade - hehehe.

A imagem veio daqui. Tudo indica que são eles: Vilela, Camilo e Rita, à mesa. Momento tenso...

Até mais,
Brena.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Conversa com Dom Gabito


Queridos Alunos,

outro dia li uma notícia tristíssima (aqui). Ela dá conta que meu adorado escritor Gabriel García Márquez teria perdido a memória de uma vez por todas. E esta seria a razão pela qual ele não publica nada há tanto tempo. Mais ou menos uns três anos depois da publicação de seu último romance, Memória de minhas putas tristes (2004), como explicação para a ausência de novos livros, li uma versão diferente: que ele teria sonhado que morreria depois de finalizado o romance seguinte. Como era uma pessoa supersticiosa, estaria procrastinando como uma estratégia para ludibriar a morte...

De todo modo, saber que nunca mais lerei nada de novo escrito pelo Dom me deixou com um aperto enorme no peito. Isto porque neste mes de julho completam exatas três décadas que ele começou a falar comigo. Como tenho milhares de notas mentais das coisas que ele me contou ao longo de todo esse tempo, resolvi brincar que falei com ele também. Mais ou menos como uma estratégia para driblar não a morte, mas o seu esquecimento, esse diálogo imaginário seria assim:

B.P.: Meu querido Dom Gabito, antes de começar, e correndo todos os riscos de cair na vala comum da tietagem explícita, vou fazer aquilo que meu coração mandou: dizer o que sinto por você. Te amo, te adoro, te venero, te idolatro. Você marcou minha existência para todo o sempre. Livros, livros e mais livros, lidos, relidos, trilidos, tetra, penta, hexa, e por aí vai... pela vida afora. Tá bom assim ou quer mais?  Então agora vamos ao que mais interessa. Você, que é tão bom com as palavras, se tivesse apenas uma frase para usar, como se definiria?

G.G.M.: Sou um homem simples. (Doze contos peregrinos).


B.P.: Hehehe. E se tivesse duas, três, quatro?

G.G.M.: Descobri que não sou disciplinado por virtude, e sim como reação contra a minha negligência; que pareço generoso para encobrir minha mesquinhez, que me faço passar por prudente quando na verdade sou desconfiado e sempre penso o pior. Que sou conciliador para não sucumbir às minhas cóleras reprimidas, que só sou pontual para que ninguém saiba como pouco me impora o tempo alheio. Descobri, enfim, que o amor não é um estado da alma, e, sim, um signo do zodíaco. (Memória de minhas putas tristes).

B.P.: Quando li O Amor nos Tempos do Cólera pela primeira vez, recém saída dos cueiros (ou quase isso, vai...), achei que Florentino Ariza fosse você. Muitos anos mais tarde, em Viver para Contar, você me revelou que ele na verdade era o teu pai. Então os romances são mesmo sempre autobiográficos?

G.G.M.: Sim. (vários romances e contos).


B.P.: Huuuummmm. Bem que eu desconfiava. Ainda seguindo essa linha das vidas reais que se misturam e se confundem com as vidas dos personagens dos romances, dizem as más línguas que Macondo, a cidade fantástica dos Buendía, é Aracataca, tua cidade natal. Como era a Aracataca da tua infância?

G.G.M.: Macondo era então uma aldeia de vinte casas de barro e taquara, construídas à margem de um rio de águas diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos pré-históricos. O mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e para mencioná-las se precisava apontar com o dedo. (Cem anos de solidão).

B.P.: Quando você começou a perceber que envelhecia?

G.G.M.: Aos quarenta e dois anos havia acudido ao médico por causa de uma dor nas costas que me estorvava para respirar. Ele não deu importância: É uma dor natural na sua idade, falou.
-- Então -- disse eu --,  o que não é natural é a minha idade.
O médico me deu um sorriso de lástima. Vejo que o senhor é um filósofo, disse ele. Foi a primeira vez que pensei na minha idade em termos de velhice, mas não tardei a esquecer o assunto. E me acostumei a despertar cada dia com uma dor diferente que ia mudando de lugar e de forma, à medida que passavam os anos. Às vezes parecia ser uma garrotada da morte e no dia seguinte se esfumava. Nessa época ouvi dizer que o primeiro sintoma da velhice é quando a gente começa a se parecer com o próprio pai. Devo estar condenado à juventude eterna, pensei então, porque meu perfil equino não se parecerá jamais ao caribenho cru que era meu pai, nem ao romano imperial de minha mãe. A verdade é que as primeiras mudanças são tão lentas que mal se notam, e a gente continua se vendo por dentro como sempre foi, mas de fora os outros reparam. (Memória de minhas putas tristes).

B.P.: É mesmo. Engraçado o que você diz, sobre ficarmos parecidos com os nossos pais. Eu acho que isso vai além da aparência física. Por exemplo: ano passado comprei minha primeira blusa com estampa de oncinha. Aí me lembrei de quando era criança e achava cafonérrimo minha mãe usando roupas de onça. Foi exatamente ali, saindo da loja, com a sacolinha da blusa na mão, que percebi que envelhecera. E isso porque naquele instante me veio a lembrança dessa tua comparação do envelhecimento com a semelhança com os nossos pais. Falando de lembranças, o que é mais importante para você: viver ou lembrar?

G.G.M.: A vida não é a que a gente viveu, e sim a que a gente recorda, e como recorda, para contá-la. (Viver para contar).

B.P.: E o que você descobriu sobre o amor, depois desses anos todos de vida?

G.G.M.: Tomei consciência de que a força invencível que impulsionou o mundo não são os amores felizes mas os contrariados. (Memória de minhas putas tristes).

B.P.: É, eu lembro: foi bem assim, com amores contrariados, que você começou O Amor nos Tempos do Cólera: "Era inevitável: o cheiro de amêndoas amargas sempre lhe lembrava o destino dos amores contrariados...." Mas como conseguir sobreviver a eles?

G.G.M.: Os seres humanos não nascem para sempre no dia em as mães os dão a luz, e sim que a vida os obriga outra vez e muitas vezes a parirem a si mesmos. (O Amor nos tempos do cólera).

B.P.: Profético isso... E agora, para encerrar, você pode matar uma curiosidade minha?  Por que você escreve?

G.G.M.: Escrevo para que meus amigos gostem mais de mim... (Isso está na malfadada reportagem publicada na Carta Maior). [Ele é ou não é uma criatura doce e encantadora?]

B.P.: Então tá, Dom Gabito. Pode ter certeza que deu muito certo...
E já que você é um homem simples, una Canción de las simples cosas para ti.

Uno se despide insensiblemente de pequeñas cosas, lo mismo que un árbol que en tiempo de otoño se queda sin hojas. Al fin la tristeza es la muerte lenta de las simples cosas, esas cosas simples que quedan doliendo en el corazón.

Uno vuelve siempre a los viejos sitios donde amó la vida, y entonces comprende como están de ausentes las cosas queridas. Por eso muchacho no partas ahora soñando el regreso, que el amor es simple, y a las cosas simples las devora el tiempo.

Demórate aquí, en la luz mayor de este mediodía, donde encontrarás con el pan al sol la mesa tendida. Por eso muchacho no partas ahora soñando el regreso, que el amor es simple, y a las cosas simples las devora el tiempo.

FIM

quarta-feira, 28 de março de 2012

Lógica: formas de inferências inválidas


Caros Alunos,

aqui veremos algumas formas de inferência logicamente inválidas
, que são argumentos construídos de tal modo que suas estruturas internas não garantem que as verdades das premissas cheguem intactas à conclusão.  Nesse grupo encontram-se as chamadas "falácias". Estas, apesar de serem argumentos inválidos do ponto de vista lógico, podem ser muito sedutoras à primeira vista.  O que ficou faltando, de mais importante, e seguindo a numeração da postagem anterior, são duas estruturas:

7. Falácia da Afirmação do Consequente e
8. Falácia da Negação do Antecedente.


Vamos a elas:


7. Falácia da Afirmação do Consequente (FAC)

        Se A, então B
        B
        A

Em notação lógica:

       A → B
        B
      _________
        A

Exemplo:

       Se eu tiver aumento de salário, compro um carro novo
       Compro um carro novo
       Então tive aumento de salário.


8. Falácia da Negação do Antecedente (FNA)

       Se A, então B
       Não A
       Não B

Em notação lógica:

      A → B
      ¬A
    _________
      ¬B
    
Exemplo:

Se tiver aumento de salário, compro um carro novo
Não tive aumento de salário

Não compro um carro novo.

Agora vamos comparar, de par em par, dois pares de modos: o 1. modus ponens com a 7. falácia da afirmação do consequente e o 2. modus tollens com a 8. falácia da negação do antecedente.

Repararam que no primeiro par ambos os modos afirmam pela afirmação? Significa dizer que eles são parecidos, certo? Errado. Eles são diferentíssimos. Tanto é que o primeiro é uma estrutura de raciocínio logicamente válida e o segundo é uma falácia.

Primeiro vamos prestar atenção para o exemplo do modus ponens:

     P1         Se tiver aumento de salário, compro um carro novo
     P2         Tenho aumento de salário
     C           Então compro um carro novo

Agora vamos supor que ambas as premissas sejam verdadeiras (i.e. estamos admitindo que o condicional A → B expressa uma verdade sobre o mundo e que eu de fato tive um aumento de salário). Se isso ocorre, então a conclusão é inevitável e necessária. Já sabíamos disso, porque nos modos logicamente válidos as conclusões seguem necessariamente das premissas (já até montamos as tabelinhas de verdade para provar por a + b que era isso mesmo que acontecia, lembram?).

O próximo passo é comparar esse resultado com o exemplo da FAC:

     P1  Se eu tiver aumento de salário, compro um carro novo
     P2  Compro um carro novo
        Então tive aumento de salário.

Novamente supomos que ambas as premissas sejam verdadeiras (i.e. admitimos que o condicional A → B expressa uma verdade sobre o mundo e que eu de fato comprei um carro novo). Observem que, nesse caso, mesmo que as duas premissas sejam verdadeiras, nada garante que a minha conclusão também o seja. Repetindo: a conclusão pode ser falsa mesmo que as premissas sejam todas verdadeiras! Por exemplo: pode ter sido simplesmente o caso que eu seja um político corrupto que, a despeito de não ter tido aumento de salário, tenha comprado um carro novo (com o dinheiro do desvio das verbas da merenda das criancinhas das escolas públicas, ou qualquer outra baixaria do gênero).

Vamos à segunda dupla: modus tollens e a falácia da negação do antecedente. Agora as duas negam pela negação. Não obstante, ambas, como no caso anterior, são formas muito distintas de raciocinar.

Começando pelo exemplo do modus tollens:

     P1  Se eu tiver aumento de salário, compro um carro novo
     P2  Não compro um carro novo
        Então não tive aumento de salário.

Observem novamente que, se supusermos P1 e P2 verdadeiras, a conclusão segue necessariamente. Aqui não há alternativas: preciso concluir que o meu salário não aumentou. A estrutura do argumento me garante isso. Se estiverem na dúvida, nada impede que vocês façam o teste, ok? Podem brincar de fazer tabelas de verdade o quanto quiserem.

Comparando agora com o exemplo da FNA:

P1    Se tiver aumento de salário, compro um carro novo
P2    Não tive aumento de salário
     Não compro um carro novo.

Novamente: como se trata de uma falácia lógica, a verdade das premissas não garante a verdade da conclusão. Supomos P1 e P2 verdadeiras - i.e. proposições que exprimem correspondência com circunstâncias do mundo real - e, a despeito disso, a conclusão pode ser falsa! Isto é, eu posso perfeitamente comprar um carro novo mesmo que não tenha tido aumento de salário, e nada do que está dito em P1 contradiz essa possibilidade. Eu poderia, por exemplo, ter arranjado um segundo emprego, ou ganhado na loteria, ou recebido uma herança, ou qualquer outra coisa...

Até a próxima,
Brena.